sábado, 2 de julho de 2011

ego


Interesso-me muito pelo o que os outros dizem,
e pelo o que não dizem, mais ainda.
São sempre uns intrometidos:

Falam do meu bigode que precisa ser raspado
(raspo quando quiser voltar à civilização)

do cabelo fora de ordem
(penteio se houver necessidade)

Das unhas incrustadas em sujeira
(limpo-as antes de cortar os legumes)

E me julgam por tudo
porque me querem melhor do que eu mesmo me quero.

O último me chamou de frio.
Imagine:
eu frio?
Só porque não sei amar de forma arbitrária,
ou me queira deitado com qualquer um,
que isto vá corroborar a idéia.

II

Interesso-me muito pelo o que os outros dizem,
principalmente os amigos.
Ah! Os amigos sempre nos encorajando
com suas próprias ânsias:
“vamos, não tem nada a perder!”
ou
“vamos logo, se dê uma chance”
ou
“daqui a pouco a sua irmã casa, seus pais morrem, e eu, seu amigo,
parto e você fica aí pra titio”.
.
.
.
Mas o que seria de nós sem os bons amigos
e suas baboseiras de motivação?

segunda-feira, 27 de junho de 2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Saturno

Não que me falte matizes
mas prefiro que minha vida
se construa em preto e branco;
há um quê de elegância conferida
por este minimalismo.
Cor nos engana, tecnicoloriza-nos,
mente-nos um mundo mágico
palco de lata-palha-Dorothy-coração,
caminho dos tijolos amarelos e
sapatinhos feéricos.
Só numa plúmbea escala é que existimos,
revestidos de um película tênue
que destaca a transparência das taças
herdadas como o sêmen-óvulo branco que
me fez como sou

homem saturnizado pelos anéis de Cronos
paralisado no tempo de um
                                       clique.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sobre o novo layout: sequência

Seqüência

Encontram-se num beijo.
Depois se afastam.
Ficam sozinhos.
Reencontram-se.
Re-beijam-se.
Ele se despede dEla.
Ela encontra Outro.
Outro a beija no rosto.
nEla fica um pouco do beijo do Outro.
Despedem-se.
Ele e Ela se reencontram.
Ela o beija com gosto do Outro.
Ela não suporta.
Ela abandona Ele.
nEle fica o gosto dEla.
nEla o gosto dEle e do Outro.
No Outro não ficou gosto dEla. 

terça-feira, 26 de abril de 2011

Sinestesia

É preciso que o poema estale na boca e no palato exploda
que nos olhos evapore e derrame
ascendendo aos ouvidos
e encharcando o corpo.

terça-feira, 15 de março de 2011

Pergunta para Adélia Prado

Se repetires singelo, singelo, singelo
E eu: sois belo, belo, belo
é possível que na aflição da palavra
te tornes bela e eu singelo?

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Capítulo 5 - Marta

Amigos leitores, 
Ando meio ausente em relação a postagem de novos poemas e desenhos, mas é que tenho me dedicado a escrever Marta, o que não é uma tarefa fácil, apesar de ter o enredo todo formado e as características que a tornam um personagem vivo. Então publico um capítulo do livro como aperitivo.
Abraços,
Rafa


Capítulo 5

Depois que se formou, manteve-se o mais distante possível dos seus relacionamentos. Casualmente um ou outro amigo de faculdade a convidava para sair, mas sempre se desculpava com os ensaios da orquestra. Novos contatos se não fossem profissionais não os queria. Acreditava ser intransponível, intelectual e elitizada para ser como os demais. 

Quando se sente só, cozinha para si mesma ao som de Ravel, toma um pouco de vodka e até se permite erguer os braços e balançá-los tremulamente, pois mesmo bêbada jura que há milhões de olhos a julgando. Felizmente, vodka a faz dormir. Quando se sente muito só, vai às compras e sorri quando a vendedora lhe recepciona surpresa: nossa Marta, quanto tempo que você não aparece? Ela responde como se é de esperar em relacionamentos comerciais: ando muito ocupada com o trabalho, mal tenho tempo para comer, quem dirá me vestir. No fim, sai da loja com vestidos e sapatos para usar nas noites de apresentação e sente certa epifania de realização. Mas quando se sente muitíssimo só e as duas opções anteriores não lhe satisfazem, Marta fuma e chora sobre o seu mundo metódico intumescendo-o de matéria orgânica e transgressão. 

Os pés para fora, pernas, tronco, cabeça, cotovelo, braço-antebraço. As mãos explicitam-se por último: Marta ultrapassa seus limites com o toque, porque lhe cobra a proximidade de outro corpo. O toque seu maior receio, era também sua necessidade imediata. Marta enfiaria suas mãos no mundo. 

domingo, 6 de fevereiro de 2011

sem nome

Quando as nuvens põem-se a guerrear
e a luz da lua faz descer seus guerreiros sobre cavalos abstratos
para trotear pelas ruas da cidade,
num estertor poético de cascos
convocando
as 55 mil bocas desta cidade
para comer da minha poesia,
é que me ponho doido atrás de embelezamento e ordem

cavouco com faca a gramínea resistente

tinjo de cal os paralelepípedos

podo o topo das árvores

troco as lâmpadas dos postes

e nem que me custe à exaustão
ou a própria morte
vou de porta em porta
deixar uma rosa atada
com meu festejo-prece: 

junta tuas mãos em concha,
a minha poesia é tua oferenda.