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sexta-feira, 16 de maio de 2008

Alento II



Os deveres se amontoam defronte a minha porta como crianças pedindo por atenção, são tantos e de tantas espécies matemáticas que a meu ver, suas resoluções devem estar nesse momento na galáxia mais próxima que a via Láctea faz divisa, se é que há divisas no infinito, logo, não há chances de encontro com o gabarito pelo menos em alguns milhões de anos-luz.

Existem vários momentos que tento fretar uma nave espacial, decolar, atravessar a atmosfera, viajar e viajar, todavia, também nesses vários momentos a exaustão intumesce meus músculos tornando-os tão flácidos e inapetentes que esmoreço por ali mesmo, - sou jovem, mas sem forças -, dispensar energia numa aventura errante é ato suicida.

Não me encorajo a ir à luta e transpor as galáxias como muitos fazem; invejo-os todos os dias. Como conseguem ser heróis do cotidiano? Como conseguem espichar logo pelas cinco da madrugada; comerem um pão molhado no café com leite e seguirem a diante resolvendo seus problemas e no fim do expediente chegam e ainda possuem a capacidade de beijarem seus cônjuges e seus filhos. Invejo-os porque não tenho em mim esse espírito que a vida imbuiu-lhes, um espírito “vai à luta homem”.

O espírito que a vida imbuiu-me é destes que já estão frágeis, moles, deve ter sido um espírito há muito usado por um daqueles heróis – por instantes uma idéia reencarnacionista passou-me como flash – seria eu um jovem herói de velho alento? Prefiro que seja assim, que eu seja um guerreiro pós-guerra, admitido novamente à vida com o único dever de contar sobre as suas vagas lembranças de algo que longinquamente viveu; recordações que viraram pó. Sedimentaram-se. E àqueles cálculos já não são mais problemas e eu não preciso martirizar-me por não fazê-los, meus deveres não são eles e isso me alivia tal como ficar nu em casa nos dias de temperatura elevada. Estou tão vivo dentro das minhas possibilidades.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Alento I




Escorrego a mão para pegar a cueca, visto-a, faço o mesmo com a calça, a camiseta, o moletom. Levanto-me às seis horas da manhã e ainda está noite, e o mais triste, nunca vejo o nascer do sol. Não dá tempo para abrir o blecaute que cobre toda a janela. O dia já raiou.

Tem granola no café da manhã, iogurte com granola, com suco e pão integral, tem também ricota com banana. Mastigo e penso que engulo carboidratos e proteínas, engulo biologia. Há tempo perdi o paladar para o sabor e adquiri o pudico hábito de devorar lentamente tabelas nutricionais, no mercado mesmo, não compro alimentos, compro informações.

Meto a chave e a giro.
Estou ansioso.
A porta range.
Estou me abrindo.
Estou abrindo o mundo.

Cuspo-me para um novo dia que raiou há alguns minutos atrás, e confesso que tenho abalos, tremo, tenho medo de toda essa extensão que se estende defronte a mim, porque me esfarela, porque estraçalha com o luxo dos véus que revestem este conto de fadas censurando-o às minhas crianças; perco meus ouvintes, os mesmo perdem sua grandeza, e eu sou remetido ao primeiro natal em que o bom velhinho se ausentaria definitivamente da minha vida. Esta foi a primeira vez que fui esbofeteado.

Estou caminhando, aliás, enquanto contava dos meus medos, já estava caminhando em direção aos deveres-cidadão. Proíbo minha mente, veto-a de pensar, mas é em vão, é um hábito que com raízes grossas fixou-se em mim e não me tem feito bem, tem me desgastado, pois me resta apenas dez por cento da visão. Estou caminhando e não consigo enxergar as ruas, as casas, os prédios. Sei onde estão porque fazem sombra sobre minhas sinapses e porque tenho um labrador como animal xamânico, o qual me guia e assegura minha mãe de que seu filho retorne a casa nos fins de tarde ainda vivo.

Já entardece e percebo que mais um dia se passou e que toda aquela ansiedade que me referi era pura esperança travestida, cuja se esvaece como o sol da tarde.

Meto a chave e a giro.
Estou exausto.
A porta range.
Estou me fechando.

Estou fechando o mundo.