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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

I

Demorei pra entender que tudo o que se desenrolava era sobre minha pele. Frêmitos, arrepios ou dores no estômago. Até quando nos ferir por egoísmos românticos? Há bebidas alcoólicas, cigarros de maconha e comprimidos de rivotril para aliviar nossas angústias. Já não precisamos mais nos aturar por estarmos apaixonados, pois a paixão se foi como todas as outras coisas. As carícias repetidas, os “eu te amo gastos”, os beijos resgatados, os caminhos re-seguidos imaturamente depois dos olhos piedosos por um “não me deixe!”. Ah, sempre podemos fazer diferente! E vamos adiante, atravessando dias, meses e anos nos querendo e nos desperdiçando porque também não nos queremos, e nos perguntando aonde nos perdemos. 

Até que há novamente o fim, momento tão esperado por todos. Aprontas as malas como se elas aprontassem-se sozinhas, e andassem até a porta por conta. Aí me olhas como um cão faminto diante da tigela, e me pedes mais, e mais, mais, e por pena, tranco a porta, engulo a chave e digo que de mim, não sairás mais.

II 

E por um ano achei que não sabia o que era ser mais. Sendo que fui eu o tempo todo. 

III 

Ah, sempre podemos fazer diferente porque tudo que se faz, faz-se já diferente. Nunca seguimos o mesmo caminho, porque as vias se estendem maravilhosamente diferente para nos confundir românticos diante do espelho. Igualmente a saudade, só aperta quando longe, perto, ela se extingue como o fogo num palito de fósforo. Combustão rápida para acender e desvanecer. 

Mas há algo que nunca muda: os caminhos que se estendem. Só se estendem diferentes para nos confundir românticos pelos outros caminhos que virão. E não é um clichê dizer que a grama do vizinho é mais verde quando tudo o que nos aproximava, lançava-nos para fora do círculo da bruxa depois de gozar. Então, sente-se nojo do cheiro da pele, toma-se banho, troca-se o lençol e tudo que lembre o sexo feito há minutos atrás. 

IV 

Escrevo cartas, porque as idas e vindas tornaram-me uma pessoa mais ponderada. A primeira vez que terminamos, tornei-me um delinquente como todo poeta que sofre de amor: tomava conhaque e uma baga de rivotril, dormia como um cachorro de lanchonete que repousa no chão depois de se empanturrar de frituras. Agora, tomo chá de hortelã, e além, vejo outros caminhos maravilhosamente pertinentes, como sonhar estar acordado, arrumando-se para uma nova aventura, e não ter saído da cama: um ato falho. 


Combustão rápida para acender e desvanecer. Risca-se outro fósforo, acende-se mais um cigarro e espera o mundo transubstanciar-se em espíritos bricalhões para zoar no círculo da bruxa. 

Sinto a bruxa dentro de mim, como quando fiz 18 anos. Mas a bruxa assume outra forma e ganha o nome de filme de ficção cientifica: Alien, o hospedeiro. 

VI 

Sou um homem gestando um Alien monstruoso que devastará horripilantemente a ordem humana. E virão outros, e outros, como as crianças índigo, substituídas pelas crianças de cristal, que vão ao bar vestidos de new agers em busca de sexo livre e bebidas doces. 

VII 

Lindolf Bell já saía com seus amigos, em suas camisas xadrezas e versos filosóficos nos lábios, para melhorar a existência. Torna-la leve e suportável diante às adversidades da rotina dos que sofrem as dores do mundo durante a semana de trabalho árduo. 

-Vamos lá, percorrer as ruas da cidade durante a noite, vamos nos sentir moribundos e vivos. 

VIII 

Fernando Pessoa, também estou farto de semideuses, aí do outro lado você encontrou humanos de verdade? Ou esta minha esperança é mais uma das mentiras do meu século? 

IX 

Chega de falar disso. É como falar de novidades que não são mais, ou comprar um aparelho eletro doméstico que se tornará obsoleto em poucos dias por falta de uso, sem entender então, porque de ter pagado tão caro por algo inútil. Mais do que saber que se pode ter, é saber se é necessário ou não.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

No bar Eucalipinho

Gostava mesmo era da alegria das putas; de como não tinham problemas quando sentadas às mesas de plástico, junto aos machos, serviam-se das garrafas de cerveja suadas, rindo e cantando despudoramente. Por isso passava tanto tempo no puteiro. Puteiro de pobre, com bafo de cigarro do Paraguai, conservas de ovos cozidos e banheiro sujo. Lá era tudo alegria e tudo permitido. Até confundir travesti com mulher, mulher gorda com magrinha, homem pobre com rico, sertanejo com bolero, kuduro com Strauss, sexo com amor. 

Vi muitos dos meus colegas, trocando família por puta. Houve até uma vez, que o colega bateu com a mão na mesa do bar, com a puta do lado, pediu silêncio e oficializou noivado num dos discursos mais eloquentes da história daquele bar. Muitos deles foram felizes, outros nem tanto, mas isso, de felicidade, não cabia a mim, eu que nunca tive família muito menos comi uma puta.


domingo, 7 de outubro de 2012

Imperceptível pelos sentidos se não nos viesse por meio da dor

(a Isadora Coan)

Cercado por bocas que não compreendia, falavam de coisas que só me pertenciam caso bebericasse o conhaque, que agora já descia sem sua presença marcante inicial. Foi quando Berenice se levantou sutilmente trôpega pela bebida, e como se me convidasse, segui-a. Encontrávamos num dos cômodos de uma casa que não era a mesma de quando saímos da mesa, era como se eu tivesse viajado sedado e acordasse então, num ritual em que eu seria o sacrifício. Sim, eu seria o sacrifício, e Berenice seria a sacerdotisa de Poe a me arrancar a vaidade mais uma vez.

- A sacerdotisa de Poe!

ri da tolice a que me permitia, de que ela me arrancasse os dentes com seu sorriso alvo diante dos meus, amarelecidos pelo café e cigarro. Mas o que poderia fazer se já estavam moles? Segurá-los com os dedos como tentara outrora, e mesmo assim, vê-los tilintarem sobre o piso de madeira? Não, pois eram dentes demais!

Um a um foram caindo. E por maior que fosse a perda, maior era a vontade que recorria a Berenice para me restituir uma dentição nova, reluzentes como as que ficam desavergonhadas nos copos com água durante a noite; no entanto, o que nascia em minhas gengivas eram raízes como as de plantas, ora infiltrando-se na terra, ora descendo por minha garganta na rapidez das coisas que sufocam como se fossem lentas.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Solilóquio

O celular, sem ligações; o Facebook e o e-mail, sem mensagens novas. Sim, não tenho mais notificações para checar, e estou aflito.

Pergunto:

- Se voltou, por que se ausenta?

Não havia mais saudade desde a vez em que havíamos dado um fim. Lembro-me de lhe ver saindo de casa, e eu com os olhos embaçados diante do espelho reafirmava o fim. Até que disse, depois de um tempo, que queria conversar comigo. Depois nos deitamos, transamos, repetimos encontros, e aceitamos a nos chamar de amor porque ainda era amor, seria frustrante nos negarmos a esse direito

(...)

sábado, 18 de agosto de 2012

Os homens que nunca existiram

O mais difícil era dizer a ele que o que ele vivia não existia, era invenção. Ele não sentia o que realmente sentia e nem amava o que ele dizia amar: sofria desnecessariamente.

Todo aquele desequilíbrio, aquelas noites de cigarros acesos, taças de vinho sempre pela metade, os beijos e promessas de eternidade, nunca aconteceram, ou eram meras imagens das drogas que usava para dormir, mas sim, pequenas ilusões.

Diz-me:

-E de que serve a realidade quando se ama?

Não sei te responder. Como não sei te responder se sou mais feliz contigo ou com os outros. Quando tudo, toda a minha personalidade se desfaz num gozo em que as minhas pernas se tornam catatônicas, e dentro do seu mundo, meus lábios mexem-se involuntariamente.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Vizinho Eu

Ao abrir a porta, agora pela manhã, vejo no chão uma folha A4 dobrada como as atas que mensalmente são entregues a cada condômino. Não me demoro muito para juntá-la, enquanto vou deixando pela casa a pasta, os sapatos, a roupa, dirigindo-me ao computador. Sento para ler. Susto: algum vizinho intrometido me descrevia como um personagem, e tinha a cara de pau de me chamar de putinha-que-deu-a-noite-inteira. 

Desconfio de quem seja, e me intimido: ser descoberto dessa forma é como ter que abandonar tudo e ter que se revestir com outra casca.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

- Se soubesse que isso lhe machucava, não teria feito!

Éramos duas crianças. O que tínhamos em comum? Os bolsos cheios de quartzos rosa. 

Diariamente arrastávamo-nos pela cidade até o lago para arremessá-las na superfície e vê-las quicar. Depois, mergulhávamos para reavê-las; beijávamo-nos e nos esfregávamos do jeito que vimos, quando descíamos a escada e papai masturbava-se assistindo a um filme pornô. 

Outras vezes, atirávamos nos telhados das casas e saíamos correndo para nos esconder em algum canto e rir dos desaforos que nos praguejavam. Depois, beijávamo-nos e nos esfregávamos, e voltávamos para casa, satisfeitos de algo que fazíamos sem compreender.

Um dia, arremessei um quartzo na cabeça dela, ela pôs a mão onde estava doendo. Continuei a atirar até esvaziar os bolsos. Ela tentava se desviar chorando como um animalzinho que lhe pisam as patas, enquanto eu gargalhava como um grande sacana.  Abracei-a, beijei-a e me esfreguei nela como sempre fazia. 

Durante meses as coisas aconteceram assim até que:

- Não quero mais brincar contigo! 

Ela disse isso com a cabeça posta na fresta da porta. Logo veio sua mãe e a retirou de lá como se eu tivesse feito algo de ruim. 

Bati à porta. Cabisbaixo e com o horror da frase persistindo em minha cabeça, disse a ela:

-Eu deixo você me jogar pedras, se você quiser. Só volte a brincar comigo!

Ela não hesitou. Carregou os bolsos e me levou até um terreno baldio próximo a casa dela, aonde me jogou os quartzos que me atingiam dolorosamente a ponto de me fazer chorar, de implorar que parasse; que isto não estava certo, que não era assim que eu a amava.

- Se soubesse que isso lhe machucava, não teria feito!

Ria de mim, ria porque agora se equiparava a mim, e eu, rebaixava-me ao animalzinho das patas espezinhadas, miando de dor; miavam as feridas que pediam pela língua dela e o cuidado de suas mãos delicadas. Mas, ela virou as costas, enquanto eu ainda estava no chão, e foi embora de fato.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Quintanista

Vi quando a menina disse ao outro menino:

“Não quero mais brincar contigo!”

O menino não entendeu o porquê, cabisbaixo e com a expressão de desolamento foi para casa. Tive pena do garoto, nunca mais o vi na rua desde então. Decerto, fora para ele um abandono desleal. É como dizer: eu não te amo mais, vou embora! A mala pronta em algum canto qualquer. A saída repentina. A morte repentina. Todo um mundo criado sendo desconstruído pela fugacidade da vontade. 

Sim, porque se morre diversas vezes até a morte física. Morre-se a cada não, a cada insustentabilidade que me põe em fuga em busca de refúgio na próxima novidade que me matará novamente e novamente. E tudo fica mal resolvido nessa vida, mesmo a certeza de “eu não te amo mais, vou embora” é apenas uma meia certeza.

Imagino o que a menina fez com ele quando disse isso, quantas coisas passaram por sua mente e quantas culpas lhe vieram dizer que sempre esteve fazendo coisas que a desagradavam. Até mesmo os sorrisos que fez surgir na face dela, vêm lhe cobrar o infortúnio:

-Então todos os risos não eram para mim?

Ah, porque há sempre dívidas tolas que nunca poderão ser pagas, e o tempo está aí, quando não consegue quitá-las, arrefece-as na lembrança.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Fragmento

Então, repito o poema até que não me atinja mais pela simples necessidade de ultrapassá-lo, como se ultrapassa um obstáculo...
porque palavras são muito mais que simples obstáculos, são dragões chineses serpenteando pelas ruas de Pequim em dias de adoração. Todos param, querem-nos destruídos, ardidos em fogo. Empunham tochas intumescidas de querosene, tomam coragem para atear fogo, mas recuam e adoram. Inventam estratagemas, desejam um novo tempo, redefinem os versos, e a memória do poema se firma para longe do esquecimento.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Adaptação

Algo de muito estranho acontecia aos nascituros daquela cidade: quando suas mães davam à luz, seus bebês nasciam sem o braço direito. A população a princípio não se preocupou porque eram casos esparsos, como um boato vindo de longe assumido de “compaixão” e de “Deus me livre”. Foram até visitar a primeira criança sem braço, o filho de Cláudia. 

- Cláudia do céu, como foi acontecer isso? 

Cláudia lamentava por si mesma e por seu filho, pois em decorrência disso, seu marido tinha os abandonado. 

- Deve ser essa sua genética! 

Mas passaram-se quatro anos, e a cidadezinha pequena entrou em polvorosa quando viu suas salas de aula repletas de crianças malformadas, e decidiram que poriam fim à situação. 

Reuniram-se no centro comunitário; falavam ao mesmo tempo, seus corações inflamados saltavam à boca, e suas mentes não comandavam mais: queriam a morte de Cláudia e de seu filho. 

Mataram Cláudia, seu filho, e puseram-se a cruzar novamente. E as crianças sem braços continuavam a nascer. Reuniram-se, os saudáveis, e três dias depois, cientistas, sociólogos e espiritualistas estavam na cidade colhendo amostras, levantando dados, aspergindo bênçãos de cura. 

Os cientistas disseram: 

- Devem-se castrar crianças e pais antes do pior! 

Os sociólogos: 

- Fazemos a cruza com estrangeiros antes do pior! 

Os espiritualistas: 

- Não está mais em nossas mãos! 

Assim, dividiram a cidade em dois grupos: o primeiro grupo de casais que nunca tiveram filhos aguardariam os resultados; o segundo grupo de casais que tiveram filhos com o problema seriam subdivididos numa metade castrada e outra posta em cruza com estrangeiros. 

Mas nada adiantou, a não ser a castração. Os que cruzaram com estrangeiros tiveram filhos sem o braço esquerdo ao invés do direito. A cidade deu-se por vencida. Alguns se sentindo culpados pelas atrocidades cometidas, substituíram a estátua de prefeito pela a de Cláudia e seu filho de mãos dadas. E todo ano homenageavam-nos com flores no dia em que foram assassinados. Os que não se sentiram culpados fugiram ou foram mortos por manterem seus preconceitos. 

Mas dizem até, que alguns se dirigiam à Cláudia pedindo um filho de dois braços. Certo dia ela atendeu, virou uma espécie de santa, causado estranhamento, tinha feito milagre.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Espontaneidade


Se eu sou espontâneo? Claro que não. Perdi minha espontaneidade há tempos, e não saberia informar a data precisa, nem a faixa etária em que me encontrava quando deixei de rir para parecer educado, ou ri pelo mesmo motivo.

Não há nada de errado com a educação, ao contrário, acho muito bonito quem se serve dos bons modos transparecendo espontaneidade. Exatamente quando alguém exclama palavras chulas sem ser vulgar. Os extremos que tornam as pessoas verdadeiras mesmo quando condicionadas.

Escrevo sobre espontaneidade, delicadeza e vulgaridade. Escrevo sobre mim, que sem delicadeza perde a espontaneidade sendo vulgar. Não há um gesto em mim que não seja ofensivo, que não seja mentiroso ou dissimulado. Desde o sorriso aos bons modos na mesa, tudo muito falso, tudo muito inadequado.

- Se eu sou espontâneo?
Claro que sim.
Quando estou drogado.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Bebericar

Leio tanto essas coisas em busca de um pouco de entendimento, porque a vida por si, não me consegue instituir. Beberico infusão de cidreira, já que depois de ler uma revistinha qualquer, aprendi que chá são apenas as infusões feitas com a planta de nome científico camellia sinensis. (Quanta tolice para ser humano). É como se eu precisasse de algo falso para constatar que é verdadeiro o que vejo. Por isso, mesmo não tendo fé em religião alguma, consigo entender o motivo de tantos frequentarem igrejas. 

Sei que quando me diz essas coisas, é com o cuidado de um amigo servindo ao seu papel de: 

“não fique assim que a vida é muito bonita!”. 

Eu: 

“a vida só é bonita porque hoje eu li Adélia Prado.

Bebericar

Terrível são os dias em que preciso de cafeína para continuar empurrando a vida. O café preto e amargo, despertando-me como um zumbi para fazer coisas inúteis: ir à faculdade, ouvir as mesmas ladainhas ausentes de vida, de professores que às vezes não tem a mínima noção sobre o que falam, e por isto não restituem novas idéias ao pensamento acadêmico. Parecem montes de merda cheios de erudição. 

Choca-me a erudição alheia aos sentimentos. Adianta absorver tantos autores sem ao menos sentir os pelos do braço eriçando-se? Mais valeria dizer: este pensamento, que não sei explicar a vocês, causa-me arrepios mil! Eu entenderia tão bem isso. Como entendo do êxtase religioso sendo descrente. 

Gritam sob a nave da igreja: 

-Senhor, tudo isso por um pouco de beleza! 

Muitas vezes, deparado com a arte, meu corpo acaba exprimindo mais do que a minha capacidade intelectual poderia fazê-lo. Nem os maiores axiomas são-me capazes de refletir mais do que a beleza de algo que me toca. Então, repito o poema até que não me atinja mais pela simples necessidade de ultrapassá-lo, como se ultrapassa um obstáculo. 

Talvez seja por isso que muitos absorvam o desnecessário e vulgar que não lhes fazem mal. Uma música um pouco mais triste, um livro cheio de pensamentos singelos, são para eles um ultraje. Logo exclamam: 

“tira essa música de velório, aiiii!” ou 

“não sei por que você lê tanto essas coisas que te deixam assim, ó!” ou 

“Por que não aprende alguma coisa que te dê dinheiro, cara?” 

Grito no meio da cozinha: 

-Senhor, tudo isso por um pouco de beleza? 

Beberico o raso café, sua borra, e o resto do dia impinge-se de taquicardias.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vizinho tu

Sou o vizinho dele. Ouço o francês macarrônico copiado das músicas que ele ouve. Dói-me o coração de saber que não há dor no que ele reproduz. Apenas a nostalgia artística que muitas vezes procuro, mas, acabo desatando num choro descontrolado de quem sente a nostalgia que ainda não passou. 

Se ele também sofresse pelo o que eu sofro, bateria a sua porta, diria que há algo de errado conosco, e que deveríamos passar por isto juntos, como se fossemos um o analista do outro, fazendo associações de fugas, buscando novos refúgios. No entanto, tudo nele é de uma pertinência teatral. 

Quando o vejo pela manhã, descendo a escada para sua aula matinal, observo sua roupa e imagino qual personagem o encarnou durante o sono. Imagino até mesmo qual livro leu, o filme que assistiu ou o programa de entrevista que deixou ligado enquanto adormecia. E nada nele dói mais do que um dia. Deve ser por isso que às vezes o julgo como uma bichinha alheia a cumprimentos, às fomes do mundo, e aos diálogos inflamados dos grandes mestres da literatura. Outras, o julgo como um homem obstinado por seus deveres, travestido numa gravata negra, uma mala executiva de couro, apressado para ganhar muito dinheiro dizendo às pessoas que conquistou seu lugar no mundo. Tudo tão inconstante que gastaria todas as palavras para descrever todas as personas que compõem seu guarda roupa. Não que ele não os repita, mas sempre repete de forma única. 

Ontem, ele acenou da escada, estava com o seu habitual short-de-putinha-que-deu-a-noite-inteira-para-desconhecido. Não ouvi seus gemidos, porém, durante a madrugada, vi um homem meio gordo e atarraxado descer as escadas, sorria como apaixonado ou como homem que gozou, e manteve o gozo anestésico depois do sexo. Não sei quanto ao meu vizinho, parece ter feito sexo como uma necessidade habitual ao animal, tomou banho, apagou a luz e dormiu. 

Vontade de parar por aqui, porque pareço um futriqueiro, sem mais nada com que se preocupar na vida. Mas me intriga é o pensamento dele, mais ainda seu sentimento mutante, que não posso nem comparar com as estações do ano, porque estas mantêm sua regularidade. Parece que ele insiste em buscar a novidade, em abocanhar a vida de todos sem ser abocanhado, e isso me intriga a ponto de sentir raiva, de querer ser ele. 

De futriqueiro a invejoso em menos de poucos parágrafos. Consigo me superar quando se trata dele. Daqui a pouco, passo a lhe amar e o querer deitado comigo, fazendo amor comigo, estendendo toda nossa carência através do sono. 

Paro por aqui. Estou confuso. Lavarei a louça para me distrair.

Não, esta é a minha felicidade

Não lembro ter falado muitas coisas, lembro-me apenas de ter levantado da cama, ido até a estante, pegado o CD do Bruce Springsteen e posto para tocar. 

Eu: 

- Ouvia tanto quando era mais novo! 

Ele: 

(...) 

Via-me perscrutando meu passado com a mesma vivacidade que podia imaginar um avião destroçando-se sobre o mar sem me aterrorizar. Pelo contrário, mantinha-me atento a cada instante, afoito pelo o que precederia: redescobri uma parte de mim, senão o todo de mim, e que era momento de reavê-lo. 

A redescoberta é uma das coisas mais catárticas que pode ocorrer àquele que, angustiado, pensava sua existência aniquilada pela falta de alternativas. 

Redescobrir é como ter passado por anos de inanição, e agora sentir-se faminto novamente. Redescobrir é como ter estado enfermo, e do nada reaver-se são como uma criança que ainda não entende nada sobre hipocondria. 

Citando Ana Karenina:

- Desgraçada, eu? – exclamou Ana, aproximando-se dele, fitando-o com um sorriso de amor e exaltação. – Sinto-me como uma esfomeada a quem deram de comer. Talvez tenha frio, talvez esteja esfarrapada e sinta vergonha, mas desgraçada, não. Desgraçada, eu? Não, esta é a minha felicidade.

Bebericar

Mantive-me débil durante todo o dia. Ora olhando para fora da janela observando as casas, os passantes; ora bebericando qualquer coisa para me manter absorto na leitura, umedecendo o pensamento que, agora lido, segue seu próprio fluxo associando-se às minhas lembranças. 

Quando se permanece débil é que se tem o entendimento do fluxo, e o entendimento é um grande susto como o despertar com a porta sendo batida pelo vento. 

Muitos pensam no entendimento como a abertura sequencial de portas sem sequer levar a mão para girar a maçaneta, enquanto as percorre como Moisés atravessa o Mar Vermelho... o mar agitado sob uma barreira de contenção invisível, pronto para rebentá-la. 

Como disse antes, o entendimento é como despertar com o estrondo de uma porta sendo encerrada em seus limites. O corpo excita-se: as narinas abrem-se para que os pulmões resfoleguem, a adrenalina é liberada no sangue e as pupilas dilatam-se como um obturador ansioso por receber luz. É como renascer mais velho, mas apoiado sob nova ótica; a ótica do invisível, do entendimento fora da compreensão tanto espezinhada dentro dos livros. 

Fora isto, continuo usando a palavra bebericar, porque combina com qualquer coisa que está às mãos, enquanto se precisa de entendimento intelectual.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Estas coisas ridículas de um diário


Sinto-me um miserável quando apaixonado. Ontem mesmo, sem reparar no absurdo que escrevia por seu possível amor, comparei-me aos bichos mais peçonhentos que habitam a superfície da Terra.

domingo, 22 de janeiro de 2012

A rotina dos amantes


Despertei novamente com o ruído de uma maçã sendo mordida. Agora já não me é mais novidade estes seus pequenos ruídos que ocupam o apartamento pela manhã. É como o tráfego de carros, a sirene da polícia, o choro intolerável da criança do vizinho, o salto alto da moradora do andar de cima.

Incrível que agora me incomode com estas coisas tão pequenas e comuns. Eu que a princípio maravilhei-me de dividir minha intimidade contigo; de sentir-me seguro sabendo que os espaços estavam sendo preenchidos com suas roupas, sapatos e outras coisas de homem.

Até a coisa mais ridícula...

(como direi isso sem ruborizar?)

Até a coisa mais ridícula, como lavar as minhas cuecas com as suas, e depois vará-las aos pares, (tamanho P e M), causava-me uma alegria tão distinta que só os casados entendem. Mas do nada não era mais distinto, era cotidiano, e dividir as escovas tornou-se intolerável. Aí não quis mais ser feliz, quis a alegria eufórica e confusa. Quis o desejo de nem saber o que desejava. Quis a deriva de outras línguas, de outros pensamentos na arrebentação das ondas.

- A arrebentação das ondas nas pedras, é a coisa mais linda de se ver!
-Sim, não há nada parecido!
-Nem nosso amor é tão belo quanto a arrebentação das ondas.
-Bobagem!

Foi quando ele arrumou suas coisas e não voltou mais.  

sábado, 21 de janeiro de 2012

Despertei com o ruído de uma maçã sendo mordida.


Ainda se fossem ovos estalando na frigideira, mesclados a cantoria de alguém que eu levei para casa ontem, não acharia estranho. Eu me levantaria e me depararia com a mesa de café da manhã posta, com flores do campo no arranjo matinal, e não veria outra saída a não ser viver a sua conquista, desejando que fosse para sempre o amor ainda vindouro.

Mas eu despertei ao som da deglutição da maçã. Consegui imaginar até o modo como apoiava os cotovelos na mesa, enquanto uma das mãos segurava a cabeça descaída, e a outra, levava a maçã aos lábios, depois aos dentes, a língua, e na língua me jogava de um lado para o outro até que pensasse ser o suficiente para me engolir. Vi até como sentado na banqueta, mantinha as pernas abertas, (trejeitos masculinos), num azul-samba-canção desarrochado.

É quase como despertar com o silêncio e não saber o que fazer dele, não saber nem porque despertou se a vida parecia estagnada.  Achei de uma delicadeza próxima do absurdo ouvir tão claramente um som quase inaudível. Exatamente igual quando me abraça por trás, respira no meu pescoço, e penso ser o vento invadindo a casa por entre as frestas da porta de entrada, no entanto é apenas você se fazendo audível.