segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Fragmento

Vou ficar em silêncio
mesmo que o silêncio não me sirva
e eu deseje mesmo o movimento

a fala incontida,
os dedos sobre o seu corpo,
a aresta vincada com unha do origami,
o seu sorriso fácil,

a imagem entrecortada
desses pequenos prazeres

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Memória

Certo que uma palavra dita uma única vez possa,
inexoravelmente, atravessar a camada córnea
e ali permanecer
como a um berne
apodrecendo a carne.

Coisa mais nojenta!

põe-se uma manta de toucinho
sobre o ferimento vulcânico,
aguarda o berne apontar para o respiro
e então, pinça-o com a destreza de um médico cirurgião vulgar,
um curandeiro de ladainha incensada:
- Que não deixe seus ovos!

Depois com fósforo e álcool,
incinera-o.

(O fogo é elemento fundamental para purgar o mal:...)

II

mas,
sendo a palavra substância sem veículo corpóreo,
sobre ela não se põe emplasto,
não se extrai com pinça,
não se atiça o fogo

III

a palavra!
ah, o que se faz com a palavra?
aquela ouvida para se instaurar como a um mal,
como a um berne?

IV

Recomendação:
não a detenha!
Deixe que circule mas não a detenha.
Nunca a detenha!

a máquina da noite

tique-taque taque
uma nova ordem instaurada,
nada a ver com a máquina do coração,
o relógio digital.

deve ser louco
aquele que reitera
a obviedade das coisas

-o relógio, antigamente,
fazia um tique-taque, tique-taque...
vinha da sala e
ressoava pelos outros cômodos
até desaparecer, hipnoticamente, em sono.

Acordávamos sem o tique-taque:
sim,
alguma coisa surgia e se perdia com a noite!