Certo que uma palavra dita uma única vez possa,
inexoravelmente, atravessar a camada córnea
e ali permanecer
como a um berne
apodrecendo a carne.
Coisa mais nojenta!
põe-se uma manta de toucinho
sobre o ferimento vulcânico,
aguarda o berne apontar para o respiro
e então, pinça-o com a destreza de um médico cirurgião vulgar,
um curandeiro de ladainha incensada:
- Que não deixe seus ovos!
Depois com fósforo e álcool,
incinera-o.
(O fogo é elemento fundamental para purgar o mal:...)
II
mas,
sendo a palavra substância sem veículo corpóreo,
sobre ela não se põe emplasto,
não se extrai com pinça,
não se atiça o fogo
III
a palavra!
ah, o que se faz com a palavra?
aquela ouvida para se instaurar como a um mal,
como a um berne?
IV
Recomendação:
não a detenha!
Deixe que circule mas não a detenha.
Nunca a detenha!
quarta-feira, 16 de agosto de 2017
a máquina da noite
tique-taque taque
uma nova ordem instaurada,
nada a ver com a máquina do coração,
o relógio digital.
deve ser louco
aquele que reitera
a obviedade das coisas
uma nova ordem instaurada,
nada a ver com a máquina do coração,
o relógio digital.
deve ser louco
aquele que reitera
a obviedade das coisas
-o relógio, antigamente,
fazia um tique-taque, tique-taque...
vinha da sala e
ressoava pelos outros cômodos
até desaparecer, hipnoticamente, em sono.
Acordávamos sem o tique-taque:
sim,
alguma coisa surgia e se perdia com a noite!
segunda-feira, 7 de agosto de 2017
Diálogo
às vezes,
coloco as mãos por primeiro
e faço.
Outras, coloco o coração por primeiro,
em seguida
o restante do corpo.
o que quero dizer com isso
é que
às vezes eu construo e passo a ter amor;
outras,
amo fora do processo.
só não deixo de amar
nunca.
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