domingo, 12 de agosto de 2012

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Palavrório de três versos

Porque estou sempre lá, no futuro.
Por isso largo-me no vazio
que habitam os desolados.

(variação)

Porque estás sempre aqui, no presente-comigo,
que te compartilho no vazio
que habito desolado.

Palavrório de três versos

Antecipo-me no momento em que anuncia sua vinda.
A partir de então, viver é a espera aflitiva
ante a chegada e a partida do seu corpo.

sábado, 7 de julho de 2012

Palavrório de três versos

Matei um mosquito com o livro do Mauel Bandeira.
Não, isto não é falta de respeito com ele,
é a vida acontecendo enquanto leio.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

- Se soubesse que isso lhe machucava, não teria feito!

Éramos duas crianças. O que tínhamos em comum? Os bolsos cheios de quartzos rosa. 

Diariamente arrastávamo-nos pela cidade até o lago para arremessá-las na superfície e vê-las quicar. Depois, mergulhávamos para reavê-las; beijávamo-nos e nos esfregávamos do jeito que vimos, quando descíamos a escada e papai masturbava-se assistindo a um filme pornô. 

Outras vezes, atirávamos nos telhados das casas e saíamos correndo para nos esconder em algum canto e rir dos desaforos que nos praguejavam. Depois, beijávamo-nos e nos esfregávamos, e voltávamos para casa, satisfeitos de algo que fazíamos sem compreender.

Um dia, arremessei um quartzo na cabeça dela, ela pôs a mão onde estava doendo. Continuei a atirar até esvaziar os bolsos. Ela tentava se desviar chorando como um animalzinho que lhe pisam as patas, enquanto eu gargalhava como um grande sacana.  Abracei-a, beijei-a e me esfreguei nela como sempre fazia. 

Durante meses as coisas aconteceram assim até que:

- Não quero mais brincar contigo! 

Ela disse isso com a cabeça posta na fresta da porta. Logo veio sua mãe e a retirou de lá como se eu tivesse feito algo de ruim. 

Bati à porta. Cabisbaixo e com o horror da frase persistindo em minha cabeça, disse a ela:

-Eu deixo você me jogar pedras, se você quiser. Só volte a brincar comigo!

Ela não hesitou. Carregou os bolsos e me levou até um terreno baldio próximo a casa dela, aonde me jogou os quartzos que me atingiam dolorosamente a ponto de me fazer chorar, de implorar que parasse; que isto não estava certo, que não era assim que eu a amava.

- Se soubesse que isso lhe machucava, não teria feito!

Ria de mim, ria porque agora se equiparava a mim, e eu, rebaixava-me ao animalzinho das patas espezinhadas, miando de dor; miavam as feridas que pediam pela língua dela e o cuidado de suas mãos delicadas. Mas, ela virou as costas, enquanto eu ainda estava no chão, e foi embora de fato.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Quintanista

Vi quando a menina disse ao outro menino:

“Não quero mais brincar contigo!”

O menino não entendeu o porquê, cabisbaixo e com a expressão de desolamento foi para casa. Tive pena do garoto, nunca mais o vi na rua desde então. Decerto, fora para ele um abandono desleal. É como dizer: eu não te amo mais, vou embora! A mala pronta em algum canto qualquer. A saída repentina. A morte repentina. Todo um mundo criado sendo desconstruído pela fugacidade da vontade. 

Sim, porque se morre diversas vezes até a morte física. Morre-se a cada não, a cada insustentabilidade que me põe em fuga em busca de refúgio na próxima novidade que me matará novamente e novamente. E tudo fica mal resolvido nessa vida, mesmo a certeza de “eu não te amo mais, vou embora” é apenas uma meia certeza.

Imagino o que a menina fez com ele quando disse isso, quantas coisas passaram por sua mente e quantas culpas lhe vieram dizer que sempre esteve fazendo coisas que a desagradavam. Até mesmo os sorrisos que fez surgir na face dela, vêm lhe cobrar o infortúnio:

-Então todos os risos não eram para mim?

Ah, porque há sempre dívidas tolas que nunca poderão ser pagas, e o tempo está aí, quando não consegue quitá-las, arrefece-as na lembrança.

sábado, 19 de maio de 2012

A herança dos trejeitos

Mais do que isto que me diz,
aquilo que me reparte longe das tuas palavras:
a liberdade coesa que existia
em mim antes do encontro.

- Eu tinha uma liberdade que entendia antes de ti.

Busco-me no espelho,
mas o corpo está fragmentado, e em cada parte que fora lançado pelas ruas,
pedaços de memórias caóticas impossíveis de jungir.

Quero tudo de novo,
os meus 18 anos aos 22
sem remorsos,
sem recalques,
sem teus trejeitos
que emergem em mim
no modo que agora sorrio
e me lavo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

atenção

Entenda minha sensibilidade,
entenda meu choro.
Não é à toa o cigarro acesso na mão esquerda,
o vinho servido, o livro de poemas aberto sobre a mesa.

Entenda minha humanidade,
a minha necessidade de te ler um poema,
de provocar-te estas palavras,
estes desamparos de afeto.

Quando decidi escrever este poema,
tinha os olhos feridos de sal;
o corpo fragmentado e inútil e sofrido
por tanta beleza sendo lançada fora.

(tantas angústias que poderiam ser evitadas,
não fossem as mesquinharias e a falta de vontade
dos homens.)

Entenda minha sensibilidade.
Consola-me, não porque estou fraco, porque ninguém é fraco,
mas porque teu abraço e tuas palavras
restituem minha humanidade.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Fragmento

Então, repito o poema até que não me atinja mais pela simples necessidade de ultrapassá-lo, como se ultrapassa um obstáculo...
porque palavras são muito mais que simples obstáculos, são dragões chineses serpenteando pelas ruas de Pequim em dias de adoração. Todos param, querem-nos destruídos, ardidos em fogo. Empunham tochas intumescidas de querosene, tomam coragem para atear fogo, mas recuam e adoram. Inventam estratagemas, desejam um novo tempo, redefinem os versos, e a memória do poema se firma para longe do esquecimento.