segunda-feira, 7 de maio de 2012

Homossexuais, viadinhos, travestis, facebook e a porra da liberdade de expressão

Que consistência tem o argumento desse tipo de imagem?
É gerado por quem: homossexuais ou heterossexuais?
Qual o compromisso com o ser humano?


No livro A Casa dos Budas Ditosos de João Ubaldo Ribeiro, sua personagem principal expõe sobre as facilidades que só a atualidade pode nos disponibilizar: novas tecnologias de informação; gadgets que nos fazem super-humanos como um ciborgue; possibilidade de convívio globalizado... para no fim, nos descobrirmos como simples humanos repletos de preconceitos e hipocrisias que não nos deixam combater o “atraso”. 

Somos muito atrasados. Que diferença há entre um homossexual, um viadinho e um travesti? Não vejo nenhuma, ou vejo? Claro que vejo: o modo como escolheram viver suas sexualidades, se é que é possível definir como uma escolha, no entanto isto não é propriamente positivo ou negativo. Mas a pergunta que faço é: o que importa tudo isso? Em que momento um homossexual, um viadinho ou um travesti são diferentes essencialmente falando? E por que a necessidade de forjarmos um personagem másculo pré-histórico quando somos apenas seres humanos querendo compartilhar da vida e seguir em frente? 

Os "machões" frequentam a academia, tomam suplementos, ficam sarados, depilam o cuzinho, e à noite procuram sexo fácil com menininhos afeminados ou mesmo travestis, mas enchem a boca para dizer que desaprovam homossexuais “bandeirosos”. No facebook compartilham imagens e pensamentos tão medíocres que só surtem efeito aos mais tolos, porque acham que minimizarão o preconceito que sofrem, subjugando outros comportamentos diferentes dos seus. 

Que mundo é este que estamos formando? A quem estamos querendo convencer? E por que teimamos em dizer aos outros que suas necessidades são inadequadas, e que deveriam seguir por outro caminho para serem melhores aceitos? 

Quanto mais nos instruímos, menos estamos nos tornando melhores como humanos; geramos mais preconceitos e hipocrisias em pró de uma sociedade Kitsch, vazia e atrasada. 

Devemos, sim, combater o atraso, é uma dívida individual para com o todo. Não é questão de tomar partido do que é certo ou errado, é antes uma maneira de conquistarmos respeito como seres humanos e vivermos com ética.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Adaptação

Algo de muito estranho acontecia aos nascituros daquela cidade: quando suas mães davam à luz, seus bebês nasciam sem o braço direito. A população a princípio não se preocupou porque eram casos esparsos, como um boato vindo de longe assumido de “compaixão” e de “Deus me livre”. Foram até visitar a primeira criança sem braço, o filho de Cláudia. 

- Cláudia do céu, como foi acontecer isso? 

Cláudia lamentava por si mesma e por seu filho, pois em decorrência disso, seu marido tinha os abandonado. 

- Deve ser essa sua genética! 

Mas passaram-se quatro anos, e a cidadezinha pequena entrou em polvorosa quando viu suas salas de aula repletas de crianças malformadas, e decidiram que poriam fim à situação. 

Reuniram-se no centro comunitário; falavam ao mesmo tempo, seus corações inflamados saltavam à boca, e suas mentes não comandavam mais: queriam a morte de Cláudia e de seu filho. 

Mataram Cláudia, seu filho, e puseram-se a cruzar novamente. E as crianças sem braços continuavam a nascer. Reuniram-se, os saudáveis, e três dias depois, cientistas, sociólogos e espiritualistas estavam na cidade colhendo amostras, levantando dados, aspergindo bênçãos de cura. 

Os cientistas disseram: 

- Devem-se castrar crianças e pais antes do pior! 

Os sociólogos: 

- Fazemos a cruza com estrangeiros antes do pior! 

Os espiritualistas: 

- Não está mais em nossas mãos! 

Assim, dividiram a cidade em dois grupos: o primeiro grupo de casais que nunca tiveram filhos aguardariam os resultados; o segundo grupo de casais que tiveram filhos com o problema seriam subdivididos numa metade castrada e outra posta em cruza com estrangeiros. 

Mas nada adiantou, a não ser a castração. Os que cruzaram com estrangeiros tiveram filhos sem o braço esquerdo ao invés do direito. A cidade deu-se por vencida. Alguns se sentindo culpados pelas atrocidades cometidas, substituíram a estátua de prefeito pela a de Cláudia e seu filho de mãos dadas. E todo ano homenageavam-nos com flores no dia em que foram assassinados. Os que não se sentiram culpados fugiram ou foram mortos por manterem seus preconceitos. 

Mas dizem até, que alguns se dirigiam à Cláudia pedindo um filho de dois braços. Certo dia ela atendeu, virou uma espécie de santa, causado estranhamento, tinha feito milagre.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

segunda-feira, 19 de março de 2012

Espontaneidade


Se eu sou espontâneo? Claro que não. Perdi minha espontaneidade há tempos, e não saberia informar a data precisa, nem a faixa etária em que me encontrava quando deixei de rir para parecer educado, ou ri pelo mesmo motivo.

Não há nada de errado com a educação, ao contrário, acho muito bonito quem se serve dos bons modos transparecendo espontaneidade. Exatamente quando alguém exclama palavras chulas sem ser vulgar. Os extremos que tornam as pessoas verdadeiras mesmo quando condicionadas.

Escrevo sobre espontaneidade, delicadeza e vulgaridade. Escrevo sobre mim, que sem delicadeza perde a espontaneidade sendo vulgar. Não há um gesto em mim que não seja ofensivo, que não seja mentiroso ou dissimulado. Desde o sorriso aos bons modos na mesa, tudo muito falso, tudo muito inadequado.

- Se eu sou espontâneo?
Claro que sim.
Quando estou drogado.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Bebericar

Leio tanto essas coisas em busca de um pouco de entendimento, porque a vida por si, não me consegue instituir. Beberico infusão de cidreira, já que depois de ler uma revistinha qualquer, aprendi que chá são apenas as infusões feitas com a planta de nome científico camellia sinensis. (Quanta tolice para ser humano). É como se eu precisasse de algo falso para constatar que é verdadeiro o que vejo. Por isso, mesmo não tendo fé em religião alguma, consigo entender o motivo de tantos frequentarem igrejas. 

Sei que quando me diz essas coisas, é com o cuidado de um amigo servindo ao seu papel de: 

“não fique assim que a vida é muito bonita!”. 

Eu: 

“a vida só é bonita porque hoje eu li Adélia Prado.

Bebericar

Terrível são os dias em que preciso de cafeína para continuar empurrando a vida. O café preto e amargo, despertando-me como um zumbi para fazer coisas inúteis: ir à faculdade, ouvir as mesmas ladainhas ausentes de vida, de professores que às vezes não tem a mínima noção sobre o que falam, e por isto não restituem novas idéias ao pensamento acadêmico. Parecem montes de merda cheios de erudição. 

Choca-me a erudição alheia aos sentimentos. Adianta absorver tantos autores sem ao menos sentir os pelos do braço eriçando-se? Mais valeria dizer: este pensamento, que não sei explicar a vocês, causa-me arrepios mil! Eu entenderia tão bem isso. Como entendo do êxtase religioso sendo descrente. 

Gritam sob a nave da igreja: 

-Senhor, tudo isso por um pouco de beleza! 

Muitas vezes, deparado com a arte, meu corpo acaba exprimindo mais do que a minha capacidade intelectual poderia fazê-lo. Nem os maiores axiomas são-me capazes de refletir mais do que a beleza de algo que me toca. Então, repito o poema até que não me atinja mais pela simples necessidade de ultrapassá-lo, como se ultrapassa um obstáculo. 

Talvez seja por isso que muitos absorvam o desnecessário e vulgar que não lhes fazem mal. Uma música um pouco mais triste, um livro cheio de pensamentos singelos, são para eles um ultraje. Logo exclamam: 

“tira essa música de velório, aiiii!” ou 

“não sei por que você lê tanto essas coisas que te deixam assim, ó!” ou 

“Por que não aprende alguma coisa que te dê dinheiro, cara?” 

Grito no meio da cozinha: 

-Senhor, tudo isso por um pouco de beleza? 

Beberico o raso café, sua borra, e o resto do dia impinge-se de taquicardias.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Vizinho tu

Sou o vizinho dele. Ouço o francês macarrônico copiado das músicas que ele ouve. Dói-me o coração de saber que não há dor no que ele reproduz. Apenas a nostalgia artística que muitas vezes procuro, mas, acabo desatando num choro descontrolado de quem sente a nostalgia que ainda não passou. 

Se ele também sofresse pelo o que eu sofro, bateria a sua porta, diria que há algo de errado conosco, e que deveríamos passar por isto juntos, como se fossemos um o analista do outro, fazendo associações de fugas, buscando novos refúgios. No entanto, tudo nele é de uma pertinência teatral. 

Quando o vejo pela manhã, descendo a escada para sua aula matinal, observo sua roupa e imagino qual personagem o encarnou durante o sono. Imagino até mesmo qual livro leu, o filme que assistiu ou o programa de entrevista que deixou ligado enquanto adormecia. E nada nele dói mais do que um dia. Deve ser por isso que às vezes o julgo como uma bichinha alheia a cumprimentos, às fomes do mundo, e aos diálogos inflamados dos grandes mestres da literatura. Outras, o julgo como um homem obstinado por seus deveres, travestido numa gravata negra, uma mala executiva de couro, apressado para ganhar muito dinheiro dizendo às pessoas que conquistou seu lugar no mundo. Tudo tão inconstante que gastaria todas as palavras para descrever todas as personas que compõem seu guarda roupa. Não que ele não os repita, mas sempre repete de forma única. 

Ontem, ele acenou da escada, estava com o seu habitual short-de-putinha-que-deu-a-noite-inteira-para-desconhecido. Não ouvi seus gemidos, porém, durante a madrugada, vi um homem meio gordo e atarraxado descer as escadas, sorria como apaixonado ou como homem que gozou, e manteve o gozo anestésico depois do sexo. Não sei quanto ao meu vizinho, parece ter feito sexo como uma necessidade habitual ao animal, tomou banho, apagou a luz e dormiu. 

Vontade de parar por aqui, porque pareço um futriqueiro, sem mais nada com que se preocupar na vida. Mas me intriga é o pensamento dele, mais ainda seu sentimento mutante, que não posso nem comparar com as estações do ano, porque estas mantêm sua regularidade. Parece que ele insiste em buscar a novidade, em abocanhar a vida de todos sem ser abocanhado, e isso me intriga a ponto de sentir raiva, de querer ser ele. 

De futriqueiro a invejoso em menos de poucos parágrafos. Consigo me superar quando se trata dele. Daqui a pouco, passo a lhe amar e o querer deitado comigo, fazendo amor comigo, estendendo toda nossa carência através do sono. 

Paro por aqui. Estou confuso. Lavarei a louça para me distrair.

Não, esta é a minha felicidade

Não lembro ter falado muitas coisas, lembro-me apenas de ter levantado da cama, ido até a estante, pegado o CD do Bruce Springsteen e posto para tocar. 

Eu: 

- Ouvia tanto quando era mais novo! 

Ele: 

(...) 

Via-me perscrutando meu passado com a mesma vivacidade que podia imaginar um avião destroçando-se sobre o mar sem me aterrorizar. Pelo contrário, mantinha-me atento a cada instante, afoito pelo o que precederia: redescobri uma parte de mim, senão o todo de mim, e que era momento de reavê-lo. 

A redescoberta é uma das coisas mais catárticas que pode ocorrer àquele que, angustiado, pensava sua existência aniquilada pela falta de alternativas. 

Redescobrir é como ter passado por anos de inanição, e agora sentir-se faminto novamente. Redescobrir é como ter estado enfermo, e do nada reaver-se são como uma criança que ainda não entende nada sobre hipocondria. 

Citando Ana Karenina:

- Desgraçada, eu? – exclamou Ana, aproximando-se dele, fitando-o com um sorriso de amor e exaltação. – Sinto-me como uma esfomeada a quem deram de comer. Talvez tenha frio, talvez esteja esfarrapada e sinta vergonha, mas desgraçada, não. Desgraçada, eu? Não, esta é a minha felicidade.

Bebericar

Mantive-me débil durante todo o dia. Ora olhando para fora da janela observando as casas, os passantes; ora bebericando qualquer coisa para me manter absorto na leitura, umedecendo o pensamento que, agora lido, segue seu próprio fluxo associando-se às minhas lembranças. 

Quando se permanece débil é que se tem o entendimento do fluxo, e o entendimento é um grande susto como o despertar com a porta sendo batida pelo vento. 

Muitos pensam no entendimento como a abertura sequencial de portas sem sequer levar a mão para girar a maçaneta, enquanto as percorre como Moisés atravessa o Mar Vermelho... o mar agitado sob uma barreira de contenção invisível, pronto para rebentá-la. 

Como disse antes, o entendimento é como despertar com o estrondo de uma porta sendo encerrada em seus limites. O corpo excita-se: as narinas abrem-se para que os pulmões resfoleguem, a adrenalina é liberada no sangue e as pupilas dilatam-se como um obturador ansioso por receber luz. É como renascer mais velho, mas apoiado sob nova ótica; a ótica do invisível, do entendimento fora da compreensão tanto espezinhada dentro dos livros. 

Fora isto, continuo usando a palavra bebericar, porque combina com qualquer coisa que está às mãos, enquanto se precisa de entendimento intelectual.