segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

I

Demorei pra entender que tudo o que se desenrolava era sobre minha pele. Frêmitos, arrepios ou dores no estômago. Até quando nos ferir por egoísmos românticos? Há bebidas alcoólicas, cigarros de maconha e comprimidos de rivotril para aliviar nossas angústias. Já não precisamos mais nos aturar por estarmos apaixonados, pois a paixão se foi como todas as outras coisas. As carícias repetidas, os “eu te amo gastos”, os beijos resgatados, os caminhos re-seguidos imaturamente depois dos olhos piedosos por um “não me deixe!”. Ah, sempre podemos fazer diferente! E vamos adiante, atravessando dias, meses e anos nos querendo e nos desperdiçando porque também não nos queremos, e nos perguntando aonde nos perdemos. 

Até que há novamente o fim, momento tão esperado por todos. Aprontas as malas como se elas aprontassem-se sozinhas, e andassem até a porta por conta. Aí me olhas como um cão faminto diante da tigela, e me pedes mais, e mais, mais, e por pena, tranco a porta, engulo a chave e digo que de mim, não sairás mais.

II 

E por um ano achei que não sabia o que era ser mais. Sendo que fui eu o tempo todo. 

III 

Ah, sempre podemos fazer diferente porque tudo que se faz, faz-se já diferente. Nunca seguimos o mesmo caminho, porque as vias se estendem maravilhosamente diferente para nos confundir românticos diante do espelho. Igualmente a saudade, só aperta quando longe, perto, ela se extingue como o fogo num palito de fósforo. Combustão rápida para acender e desvanecer. 

Mas há algo que nunca muda: os caminhos que se estendem. Só se estendem diferentes para nos confundir românticos pelos outros caminhos que virão. E não é um clichê dizer que a grama do vizinho é mais verde quando tudo o que nos aproximava, lançava-nos para fora do círculo da bruxa depois de gozar. Então, sente-se nojo do cheiro da pele, toma-se banho, troca-se o lençol e tudo que lembre o sexo feito há minutos atrás. 

IV 

Escrevo cartas, porque as idas e vindas tornaram-me uma pessoa mais ponderada. A primeira vez que terminamos, tornei-me um delinquente como todo poeta que sofre de amor: tomava conhaque e uma baga de rivotril, dormia como um cachorro de lanchonete que repousa no chão depois de se empanturrar de frituras. Agora, tomo chá de hortelã, e além, vejo outros caminhos maravilhosamente pertinentes, como sonhar estar acordado, arrumando-se para uma nova aventura, e não ter saído da cama: um ato falho. 


Combustão rápida para acender e desvanecer. Risca-se outro fósforo, acende-se mais um cigarro e espera o mundo transubstanciar-se em espíritos bricalhões para zoar no círculo da bruxa. 

Sinto a bruxa dentro de mim, como quando fiz 18 anos. Mas a bruxa assume outra forma e ganha o nome de filme de ficção cientifica: Alien, o hospedeiro. 

VI 

Sou um homem gestando um Alien monstruoso que devastará horripilantemente a ordem humana. E virão outros, e outros, como as crianças índigo, substituídas pelas crianças de cristal, que vão ao bar vestidos de new agers em busca de sexo livre e bebidas doces. 

VII 

Lindolf Bell já saía com seus amigos, em suas camisas xadrezas e versos filosóficos nos lábios, para melhorar a existência. Torna-la leve e suportável diante às adversidades da rotina dos que sofrem as dores do mundo durante a semana de trabalho árduo. 

-Vamos lá, percorrer as ruas da cidade durante a noite, vamos nos sentir moribundos e vivos. 

VIII 

Fernando Pessoa, também estou farto de semideuses, aí do outro lado você encontrou humanos de verdade? Ou esta minha esperança é mais uma das mentiras do meu século? 

IX 

Chega de falar disso. É como falar de novidades que não são mais, ou comprar um aparelho eletro doméstico que se tornará obsoleto em poucos dias por falta de uso, sem entender então, porque de ter pagado tão caro por algo inútil. Mais do que saber que se pode ter, é saber se é necessário ou não.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Seria tão bom pintar as paredes de vermelho, as luminárias de preto, e ter como paisagem as cerejeiras do Japão...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

No bar Eucalipinho

Gostava mesmo era da alegria das putas; de como não tinham problemas quando sentadas às mesas de plástico, junto aos machos, serviam-se das garrafas de cerveja suadas, rindo e cantando despudoramente. Por isso passava tanto tempo no puteiro. Puteiro de pobre, com bafo de cigarro do Paraguai, conservas de ovos cozidos e banheiro sujo. Lá era tudo alegria e tudo permitido. Até confundir travesti com mulher, mulher gorda com magrinha, homem pobre com rico, sertanejo com bolero, kuduro com Strauss, sexo com amor. 

Vi muitos dos meus colegas, trocando família por puta. Houve até uma vez, que o colega bateu com a mão na mesa do bar, com a puta do lado, pediu silêncio e oficializou noivado num dos discursos mais eloquentes da história daquele bar. Muitos deles foram felizes, outros nem tanto, mas isso, de felicidade, não cabia a mim, eu que nunca tive família muito menos comi uma puta.


domingo, 7 de outubro de 2012

Imperceptível pelos sentidos se não nos viesse por meio da dor

(a Isadora Coan)

Cercado por bocas que não compreendia, falavam de coisas que só me pertenciam caso bebericasse o conhaque, que agora já descia sem sua presença marcante inicial. Foi quando Berenice se levantou sutilmente trôpega pela bebida, e como se me convidasse, segui-a. Encontrávamos num dos cômodos de uma casa que não era a mesma de quando saímos da mesa, era como se eu tivesse viajado sedado e acordasse então, num ritual em que eu seria o sacrifício. Sim, eu seria o sacrifício, e Berenice seria a sacerdotisa de Poe a me arrancar a vaidade mais uma vez.

- A sacerdotisa de Poe!

ri da tolice a que me permitia, de que ela me arrancasse os dentes com seu sorriso alvo diante dos meus, amarelecidos pelo café e cigarro. Mas o que poderia fazer se já estavam moles? Segurá-los com os dedos como tentara outrora, e mesmo assim, vê-los tilintarem sobre o piso de madeira? Não, pois eram dentes demais!

Um a um foram caindo. E por maior que fosse a perda, maior era a vontade que recorria a Berenice para me restituir uma dentição nova, reluzentes como as que ficam desavergonhadas nos copos com água durante a noite; no entanto, o que nascia em minhas gengivas eram raízes como as de plantas, ora infiltrando-se na terra, ora descendo por minha garganta na rapidez das coisas que sufocam como se fossem lentas.