terça-feira, 7 de setembro de 2010

Poemas Curtos (Completo)




No ato de normalizar as coisas
perdi o senso de justiça.
Não que me fosse preciso
julgá-las impróprias,
mas sim, a falta de sentir na fala
a resoluta ardência de quem
diz que isto é Isto.

\
Vi deitar do céu, silenciosamente,
e logo se estender sobre o chão,
as nuvens que pairaram sobre o dia.

\
Intercalo i s t o de puro silêncio
enquanto for noite
e o indistinguível branco
perdurar em descanso
sobre a paisagem.
Eu, menino, pisei descalço o branco noturno...

\

Eu, menino, pisei descalço o branco noturno
e tolhido de dizer que sentia frio,
emudeci...

\
Desconsidero a vida naquilo que não grita,
porque cumula a morte sobre a língua
ou engole e lhe envolve
de maior silêncio.
Como uma porta que não range
é perdida de sentido,
a que range
é teoria cinéfila de horror.

\

Depois de tanto silêncio,
é natural que queira do estilhaço
o momento da quebra.

\

Sim,
a resposta será continua
e esgarçada até que se invalide
por decisão própria ou que por ventura
desabe o mundo.
Percorrendo-se o tempo,
o grito muda de tom, ora abafa, ora ufana,
mas o que lhe impinge
é a mesma dor de ontem.

\

Espere,
que meu coração é feito de matéria estranha:
nem ardido nem brando no sol da meia-noite;
aquele que se poria, não se pôs ainda:
sol antropofágico de Tarsila:
re-devoro-me
nos pequenos versos.

\

Falo isto como se ordenasse à alma
severa obediência a mim
e parece que da próxima vez que abrir a boca,
estarei no alto, nas asas de algum abutre
e como as nuvens, me deitarei em chamas
resoluto no meu direito de arder.


 

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Vá lá


Vá lá
que a vida é isso aí.
Num dia se leva paulada
noutro,
lava roupa, cozinha,
arruma a casa,
dá um beijo no marido;
e vem os filhos e estão com fome;
e vem o frio anunciando o inverno
as toucas, os cachecóis, os blusões de lã,
meias grossas, pantufas estranhas
são postos no sol para tirar aquele cheiro entranhado de naftalina;
levanta-se cedo, noutro um pouco mais tarde;
há geada sobre as plantas, algumas delas não resistiram.
Às vezes alguém que sofre não é por opção
nem por destino e nesse destino inclua-se genética e afins,
é por outra coisa que ninguém sabe,
é melancolia aguda
e para essas coisas
vá lá, que a vida é isso aí
e não há mistério nisso.

domingo, 29 de agosto de 2010


Esqueça a modernidade:
o contemporâneo é orgânico.

Não é preciso que se forjem chegadas e partidas,
nem que se coloque o homem dentro
de máquinas de aço e se precipite o processo:
das mãos surgirá naturalmente
o ser instintivo, àquele,
que de pré-histórico se resignou.
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Poema também publicado no blog de Sylvia Beirute. Sylvia, muito obrigado pelo gesto.