Éramos duas crianças. O que tínhamos em comum? Os bolsos cheios de quartzos rosa.
Diariamente arrastávamo-nos pela cidade até o lago para arremessá-las na superfície e vê-las quicar. Depois, mergulhávamos para reavê-las; beijávamo-nos e nos esfregávamos do jeito que vimos, quando descíamos a escada e papai masturbava-se assistindo a um filme pornô.
Outras vezes, atirávamos nos telhados das casas e saíamos correndo para nos esconder em algum canto e rir dos desaforos que nos praguejavam. Depois, beijávamo-nos e nos esfregávamos, e voltávamos para casa, satisfeitos de algo que fazíamos sem compreender.
Um dia, arremessei um quartzo na cabeça dela, ela pôs a mão onde estava doendo. Continuei a atirar até esvaziar os bolsos. Ela tentava se desviar chorando como um animalzinho que lhe pisam as patas, enquanto eu gargalhava como um grande sacana. Abracei-a, beijei-a e me esfreguei nela como sempre fazia.
Durante meses as coisas aconteceram assim até que:
- Não quero mais brincar contigo!
Ela disse isso com a cabeça posta na fresta da porta. Logo veio sua mãe e a retirou de lá como se eu tivesse feito algo de ruim.
Bati à porta. Cabisbaixo e com o horror da frase persistindo em minha cabeça, disse a ela:
-Eu deixo você me jogar pedras, se você quiser. Só volte a brincar comigo!
Ela não hesitou. Carregou os bolsos e me levou até um terreno baldio próximo a casa dela, aonde me jogou os quartzos que me atingiam dolorosamente a ponto de me fazer chorar, de implorar que parasse; que isto não estava certo, que não era assim que eu a amava.
- Se soubesse que isso lhe machucava, não teria feito!
Ria de mim, ria porque agora se equiparava a mim, e eu, rebaixava-me ao animalzinho das patas espezinhadas, miando de dor; miavam as feridas que pediam pela língua dela e o cuidado de suas mãos delicadas. Mas, ela virou as costas, enquanto eu ainda estava no chão, e foi embora de fato.