segunda-feira, 19 de março de 2012

Espontaneidade


Se eu sou espontâneo? Claro que não. Perdi minha espontaneidade há tempos, e não saberia informar a data precisa, nem a faixa etária em que me encontrava quando deixei de rir para parecer educado, ou ri pelo mesmo motivo.

Não há nada de errado com a educação, ao contrário, acho muito bonito quem se serve dos bons modos transparecendo espontaneidade. Exatamente quando alguém exclama palavras chulas sem ser vulgar. Os extremos que tornam as pessoas verdadeiras mesmo quando condicionadas.

Escrevo sobre espontaneidade, delicadeza e vulgaridade. Escrevo sobre mim, que sem delicadeza perde a espontaneidade sendo vulgar. Não há um gesto em mim que não seja ofensivo, que não seja mentiroso ou dissimulado. Desde o sorriso aos bons modos na mesa, tudo muito falso, tudo muito inadequado.

- Se eu sou espontâneo?
Claro que sim.
Quando estou drogado.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Bebericar

Leio tanto essas coisas em busca de um pouco de entendimento, porque a vida por si, não me consegue instituir. Beberico infusão de cidreira, já que depois de ler uma revistinha qualquer, aprendi que chá são apenas as infusões feitas com a planta de nome científico camellia sinensis. (Quanta tolice para ser humano). É como se eu precisasse de algo falso para constatar que é verdadeiro o que vejo. Por isso, mesmo não tendo fé em religião alguma, consigo entender o motivo de tantos frequentarem igrejas. 

Sei que quando me diz essas coisas, é com o cuidado de um amigo servindo ao seu papel de: 

“não fique assim que a vida é muito bonita!”. 

Eu: 

“a vida só é bonita porque hoje eu li Adélia Prado.

Bebericar

Terrível são os dias em que preciso de cafeína para continuar empurrando a vida. O café preto e amargo, despertando-me como um zumbi para fazer coisas inúteis: ir à faculdade, ouvir as mesmas ladainhas ausentes de vida, de professores que às vezes não tem a mínima noção sobre o que falam, e por isto não restituem novas idéias ao pensamento acadêmico. Parecem montes de merda cheios de erudição. 

Choca-me a erudição alheia aos sentimentos. Adianta absorver tantos autores sem ao menos sentir os pelos do braço eriçando-se? Mais valeria dizer: este pensamento, que não sei explicar a vocês, causa-me arrepios mil! Eu entenderia tão bem isso. Como entendo do êxtase religioso sendo descrente. 

Gritam sob a nave da igreja: 

-Senhor, tudo isso por um pouco de beleza! 

Muitas vezes, deparado com a arte, meu corpo acaba exprimindo mais do que a minha capacidade intelectual poderia fazê-lo. Nem os maiores axiomas são-me capazes de refletir mais do que a beleza de algo que me toca. Então, repito o poema até que não me atinja mais pela simples necessidade de ultrapassá-lo, como se ultrapassa um obstáculo. 

Talvez seja por isso que muitos absorvam o desnecessário e vulgar que não lhes fazem mal. Uma música um pouco mais triste, um livro cheio de pensamentos singelos, são para eles um ultraje. Logo exclamam: 

“tira essa música de velório, aiiii!” ou 

“não sei por que você lê tanto essas coisas que te deixam assim, ó!” ou 

“Por que não aprende alguma coisa que te dê dinheiro, cara?” 

Grito no meio da cozinha: 

-Senhor, tudo isso por um pouco de beleza? 

Beberico o raso café, sua borra, e o resto do dia impinge-se de taquicardias.