quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Teu amor é o nada que se torna muito


Teu amor é o nada que se torna muito.
Ato tímido na rispidez fóbica
ao toque dos orifícios do corpo.

Pudico,
diz que prefere com a luz apagada.

Satírico,
gosto de constrangê-lo
com a luz acesa.

Teu amor é o nada que se torna muito


Estou apaixonado pelo nada que você me oferece. Pela falta da palavra afetuosa, do abraço delicado e confortante. De ti, senão a falta, o gesto comedido. A companhia pela companhia. Digestão do tempo. Eu que tantas vezes amei o excesso dos outros, e o que disso poderia extrair.


Então o meu amor freqüentou bares, festas, galerias de arte, cinemas, praças arborizadas, restaurantes, motéis, hotéis, correu o mundo atrás de aventuras inconseqüentes, e quis sempre o choro infantil ou a alegria falastrona. Quis ocupar todos os vazios. Será que precisava disso mais do que agora? Óbvio que não. Esse “precisar indefinido” deixei para mais tarde, junto com a efusividade do sexo, e as discussões calorosas, que outro, não você, me oferecerá num estalar de dedos.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Padrão de amor


És meu.
Disse-lhe cravando os olhos nos olhos dele.

Olhos meus: garras
Olhos teus: presa.

És tu meu bibelô,
És tu coisa de outra coisa que já tive,
Reavivamento da lembrança,
Ou outro corpo com a mesma lembrança?
Ah,
Que a tua vida pertencida a mim,
é vida adquirida.

Derivação
Ah,
que a tua vida pertencida a mim,
é a tua própria vida adquirida.
 

sábado, 29 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ritual


Quem me fez mal, partiu há muito tempo. Enfiou suas coisas nos bolsos, pegou o ônibus e não voltou mais. Eu disse novamente: quem me fez mal, partiu há muito tempo. Aí o abracei, e fui abraçado também. Fomos adormecendo, protegendo um ao outro dos espíritos traquinas que até ontem nos assolavam. Durante toda a noite, atravessamos cenários tempestuosos, desérticos, alagadiços, espaços vazios de qualquer coisa .

- Estou com medo, mesmo sabendo que preciso desse vazio.

Respondi-lhe cantando:

- like you always say
Safe travels,
Don’t die,
Don’t die…

Estávamos numa ponte sobre o nada, a mesma ponte que passei há alguns dias, e confuso por não entender meu destino, acabei lançando abaixo um cão negro. Mas agora, eu segurava a sua mão, suada pelo medo de não saber por qual caminho o levava, e se deveria manter-se confiante em mim.

Peguei sua mão, coloquei-a nos meus lábios para que sentisse a vibração das palavras e, conseqüentemente, seu corpo entrasse na freqüência do meu corpo:

- Hei, sou eu... Quem te fez mal, partiu há muito tempo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A minha alegria


Minha tristeza,
eu guardo com mais cuidado
no cenho franzido.
Ou choro escondido,
porque ninguém tem nada a ver
com as minhas lágrimas.

Agora,
minha alegria,
eu deposito nos dentes,
com os lábios em regalo
apontando
(sem medo das possíveis verrugas)
a estrela que me fez sorrir hoje.

à noite!


Esta noite, no meu sonho, cobriram o meu corpo com argila branca e me carregaram da sala de massagem para a área da casa. Deixaram-me lá secando. Quando o sol se pôs, vieram retirar a casca seca. Surpresa e aflição minha: cada parte de argila retirada, a pele vinha grudada, e o que vi não foram músculo, gordura e osso, o que vi foram claras e gemas de ovos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Fetichismo


Quão profano estarei sendo ao confessar que fiquei excitado ao vê-lo sentado à mesa com os braços despojados sobre ela?
Nada. Nada profano.
Profano foi ficar excitado com o escapulário contornando o seu pescoço.

Diálogo


Você: E tu não és?
Eu: Sou. Mas não quero ser aquilo o que os outros dizem que eu sou.
Você: Melhor é ser outro

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Documentos-projeto


Que o quarto seja materialização do caos emocional. O resto pode ser como deve ser em todas as casas, obedecendo às triangulações de serviço; a sala para receber amigos, a cozinha para se cozinhar, o banheiro inglês pra mascarar a dor de barriga abrupta acometida. Mas o quarto deverá ser o mais instigante possível: Luzes coloridas-temperamentais, clarabóias lunares, produtos de uma imaginação fértil de sonhos e fetiches. Que o quarto seja o centro da casa, e que todos, caso visitem seus sonhos, tenham que transpassá-lo para pegar um copo de leite na geladeira.

Para o fluxo pensado, haverá portas limitando os quadrantes dos outros ambientes, ou ligados por coisas absurdas, como uma figura de um rabanete, ou uma máquina de lavar roupa. Por tantas associações, acabe trafegando entre o puramente cinéfilo-teatral aonde muito bem poderiam contracenar Louis Garrel, Natalie Portman ou Harrison Ford, o matador de andróides na cidade ultra-moderna de Blade Runner. Que seja equipado com televisões, um super som que toque suas músicas favoritas, como num bar de blues. Mas que teu quarto seja nada menos que inventivo, e moldável ao teu gosto, como uma engenhoca útil às faculdades mentais de criação. Que teu quarto seja nada menos que teu sonho.