domingo, 5 de dezembro de 2010

recapitulando I




Segundo ato

Como me reaproximar de ti?
É a pergunta que me faço constantemente.
Penso em inúmeras possibilidades e destas
o que me resta é a idéia de lhe enviar
meus cabelos e unhas aparados via correio.
Parece sujo, mas estes são os pedaços que já não doem.

Ultimamente, tenho me dado ao luxo de não sofrer.
Vejo-te velho e tua velhice se reconhece em mim
como parte de algo que ainda virá a ser.
Um ponto de partida entre o sim e o perverso,
a negação e a subida no ônibus.

Reencontro-o porque me persegues.
Não te busco e mesmo assim
enches tua cesta e continuas freqüentando os mesmos lugares que eu.

Vejo-te velho, porque me é semelhante a todos os
rostos que me cruzam pelo centro da cidade.
Teu rosto é comum.
Tua beleza carrega um velho encarquilhado
cuspido de fumaça e cotidiano.
cuspido de areia e vento.
E isso tudo é retórica.
São os fatos que recobro todos os dias.

Aleatoriamente escolho músicas que me remetam a ti.
Seguro tua mão imaginária e a empurro por entre minhas coxas.
Logo a beijo – Sou teu príncipe.
Cavalgo num cavalo branco clichezado de pureza,
medievo e por isso sujo como a peste que por insalubridade matou.
Tu, tu te sujas em mim e disso tenho certeza.

Ultimamente, uso o ultimamente como certeza de hoje. 

Farejas-me a distância porque me queres constrangido,
picotando retalhos, fugindo de contrariedades recorrentes do acaso.
Tu já foste meu personagem,
atuou naquela peça sobre mocinhos que eram
na verdade vilõezinhos travestidos
que falavam contundentemente frases de impacto e
a platéia em frenesi, extasiava-se nos atos e os julgava
erroneamente: - Deveriam ficar juntos!

Também acho, assim como acho muita coisa.
Devíamos ficar juntos, entediando-se um com outro,
porque a liga do amor é o tédio.
Sem monotonia, desconsidera-se o conceito

Releio.
Procuro a imagem práxis que dê acesso a todos. 
Reencontro. 
Segundo Ato

Há uma porta onde todos transpassam.
A porta na qual nos perdemos racionalmente;
que entreaberta indaga, corrompe, permite.
A que ultimamente o reencontro intoxicado
de falsas perspectivas porque quando ela suspira
nos teus olhos, estremeces e absténs.

Pita às baforadas contínuas de teu cigarro
e na fumaça me ama.

Terceiro Ato

Perder-se de fato, é fácil.
Em certos momentos a vida me disse:
- Intoxique-se!
Fumo.
Estremeço.
Sigo.
-Apaixone-se!
Aqui estou.
Quarto Ato

Transponho e me acomodo ao teu lado.
Obviamente não o encontro, igualmente nem existes.
Mas te suponho e guardo em imagens surreais
que faço de ti, o mantenho preso em qualquer parte.

És merecedor de todas as crueldades e alegrias que comunico

Tinjo tudo isto com teu tom de pele perturbada
pois assim o entendo por completo.
Ralho meu corpo no teu,
pinto-me com tua cor puída nos punhos
e mancho teus lábios com palavras vagas,
porque me lês e nisto te reconheces,
negas, mas releva.

recapitulando

Das dedicatórias escondidas 
ou 
Das dedicatórias que não lhe dediquei 
ou 
Ao meu amor 



Das dedicatórias escondidas 
perfilam-se nos lábios 
e repousam. 

Extremamente cautelosa 
a confissão contida e paciente 
convulsiona-se 

e sobre teu ouvido 
derrama-lhe o amor sutil e refinado 
com bendita dose de acanho, 
porque quem ama 
enrubesce a face 
e carrega em si um vermelho doído de ausência e prontidão. 

ou 

Das dedicatórias que não lhe dediquei 
e foram muitas, 
Mas todas foram possíveis poemas 

em cada verso enrodilhava teu corpo 
num lirismo absurdo 
de te amo 
te amo 
te amo 
te amo 

ou 
Ao meu amor 

Amo 
antes do primórdio 
de te conceber como idéia de amor 
antes das palavras indiscretas 
que te disse uma vez. 

Por que já te amava na suposição, 
e na construção abstrata 
te enchia de ares 
lambia teus dedos sujos, 
e no teu corpo dançava 
pintado a vermelhão. 

Com cinzéis te reinventava a grosso modo 
te reproduzia esculpido em versos, 
e na minha língua sibilava vontades 
que forçosamente te serviam como passe 
até mim. 

ou 
o poema tentativa 
como na teoria do Big Bang 
acumular-se-ia na ponta de um 
alfinete 
e recriaríamos o universo. 

ou 

- Eu sempre te amei 
você só não tinha aparecido antes. 

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mais que os artrópodes


"Duro de forte, o amor feinho é magro, doido por sexo
e filhos tem os quantos haja.Tudo que não fala, faz."
(adélia prado - amor feinho)


O meu amor é macérrimo e doido por sexo.
Carrega rosário nos domingos,
nos outros dias
faz a via crucis do meu corpo.

Não entrou na minha vida
arrombando portas,
tampouco pediu permissão.
Foi enrodilhando corpo
feito minhoca

corpo e terra
corpo e terra
corpo e terra

quando se percebeu
já estava com as raízes.

Estranho é pôr os sonhos sobre o mar ao invés do veio de rio próximo que você me assenta.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Os fora-da-lei

meu EU dedilha palavras,
corrompe parentescos
ao tentar liga
no teu sangue alheio.
e tudo em mim
confundido em ti
será impróprio em nós
e a seguir seremos
seqüestros
impiedades
contravenções.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Intento - II

Ser humano de rasgar-se
na incorporação,
de quase cuspir o santo
e resgatar a incoerência primitiva
do êxtase.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A dúvida agora é o princípio do molde e do gesto. O primeiro corte umbilical se deu quando? Partiu da idéia de separar-se da cria? É como atirar em alguém, há uma bala, há um revólver, há um gatilho, há uma vítima e há um assassino, dito, há um homicídio. Antes de tudo isso, há um outro antes que supostamente já teria assassinado e esse é o início. Penso em matar, já matei, engatilho, estouro, mato. E não há nada o que se entender ou julgar. Escrever é tão primitivo quanto a própria idéia de primitivo, que talvez seja tão recente quanto Cristo. E foi Deus quem disse: sois primitivos, chimpanzés, ainda está na fôrma os verdadeiros humanos. Assim aceitaram e assim continuaram vivendo primitivamente. Depois disso vieram pomposos e evoluídos e humanos trucidar os chimpanzés porque neles não se reconheciam.

sábado, 16 de outubro de 2010

Intento

Dei ao desejo um pedaço de fita negra
e fiz feitiço na festa de santo.
Diziam-me:
teu corpo é Rei, dança...
lança pedra no fundo do poço,
liba a terra com pinga,
acende charuto,
pede benção
e sê terreno
que é de corpo
que Deus vive.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Hilda Hilst - SONETOS QUE NÃO SÃO

1

Aflição de ser eu e não outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
e à noite se prepara e se advinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha).
Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
-blog em recesso-