domingo, 21 de setembro de 2014

o não amor

Lamentavelmente, não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes:
Às pulgas, aos percevejos e mosquitos
Eu não os posso amar.
Há neste tipo de amor
o comichão, a irritação, o zumbido
ziiiiiiiiii iiii ziii
o contágio.
O contágio que eu não desejo.
O contágio que me impregna do insuportável,
da doença, da loucura, da insônia.
O contágio de palavras na boca sobressalto:
- Você está contaminado!
Corro entre as vielas cerebrais
entre muralhas tornadas cada vez mais altas
ao grito do não

-não, eu não estou contaminado!
Para estar contaminado
eu teria que amar in-decoro
e ser como você,
como os que não são de Deus.

-não, eu não estou contaminado!
Para estar contaminado,
eu teria que me envolver
e eu nunca me envolvi.

II

Lamentavelmente, não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes:
às pulgas, aos percevejos e mosquitos
eu não os posso amar mais.
Apesar de
já os ter amado,
até me deitado e gozado à revelia;
aberto chagas com as unhas,
pinçado a broca branca do pepino
e comido o aproveitável.

III

Lamentavelmente não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes.
Há neste de tipo de amor
uma frieza dos diabos,
ou própria a dos médicos,
instrumentistas e acadêmicos intelectuais:
uma frieza de olhar sociológico e profilático,
nunca o de contágio.

IV

Lamentavelmente, não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes.
Lamentavelmente também, não posso dar meu amor ao ambiente limpo e sadio,
pois há, nisto tudo que implica amor,
um doar-se, um contagiar-se, um envolver-se
que eu nunca tive.

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