sábado, 27 de fevereiro de 2010

Poema Brasileiro

"Depois de tantas idas e vindas nessa busca de ectoplasmas - tornei-me quase um caça fantasmas -, este é um poema despreocupado com tudo."
Beijos do Rafa
Poema Brasileiro


Agora não,
deixe pra depois
que o arroz tá no fogo
e ele pede atenção;
o fogo é alto
a água tá secando
logo, logo é o futuro
com fome de mistura de feijão.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

História Poética II - Espaço



No ponto de partida da dúvida
um espaço que no todo
compreende o espaço,
um tablado onde o teatrólogo
põe suas peças diante do fato.

Há uma rua pela qual caminho
todos os dias, faço-me por merecer
de toda essa quietude que as
persianas abaixadas persistem
em obliterar pequenas loucuras.

Tenho comigo que em algum
dos cômodos têm atores exímios
atuando no ponto de partida da dúvida:
Deixo-a? Fujo? Bato-lhe?
Tomo gim ou uísque? Casa comigo?

E ontem, então, pela fresta vi,

um alcoólatra dar rosas a uma mulher;

algumas damas esperando pelo carnaval
na torre mais alta do moinho;

também, inúmeros palhaços franceses
com narizes de rubro galhofa
apossando-se da pequena cidade
num espírito arrombado.

Todos se cruzam, todos transitam
derrubam pastas, atropelam cães,
e ao acaso dançam no mesmo clube,
só ao acaso bebem no mesmo boteco,
só ao acaso cometem pequenas loucuras.
No embalo, o dramaturgo na sua estréia
como senhor do circo, insiste que
seus palhaços dêem suas cabeças às mandíbulas
leoninas, e num gracejo pedante:

- que comece a brincadeira!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Ato de confissão


O que choca é a essência
esse contato desmedido provido e primitivo
estado fluído de versos de impacto
dispersados de mim
estado fluído de versos de impacto
imanentes em mim
algo de espírito, ectoplasma, anima
entende?

Ser fluido neste mundo é alerta de perigo
porque dentro o conteúdo transborda 
fora, nada contém o conteúdo
e as vidas se dispersam por covardia.
as verdades se anulam e se destituem
e o que é singular se abastece de si
vivendo de si mesmo numa breve revolução pessoal.

Depois  disso, Clarice Lispector tem toda razão
o adulto é triste e solitário.



sábado, 13 de fevereiro de 2010

A Palavra se fez carne e habitou entre nós



1

A Palavra quando se fez carne
e construiu seu templo abstrato no deserto
falou primeiro ao poeta, o mesmo em si,
em rompante de excentricidade criou o arcano
do verbo.

2


O Poeta quando se fez palavra
e primeiro letrado emocional
tornou-se num sacrílego,
escriturou depois do teti a teti
um amor subversivo
e todos os herdeiros e suas cromossômicas letras
hoje padecem da dor do não amado.



Lábios devotos debruçados sobre a fôrma alfabética,
a Palavra de tão forte
foi ao mundo dos cegos e surdos e leprosos,
escancarou com túmulos, chegando
onde o poeta e seu prelo não ousam proximidade.
Todos, então,
daqui até a travessia da linha do tempo,
aprenderam uma linguagem equivalente
e inexpressiva destituída de sentido.

4

A Palavra quando se fez carne e habitou entre nós,
sabia que de todo não era tão imbuída de importância
e que sua estadia na Terra seria breve
sabia que as dores e alegrias poderiam ser expressas
por lágrimas e sendo assim se fez dispensável.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O que satisfaz e enjoa



Vou comunicar minha verdade:

sou sua novidade.
E se de cá adiante ali
me torne sua reincidência
se destitua de mim,
porque só sirvo ainda fresco e mal passado.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Buroamor

Buroamor é um poema lá de 2008, pelo menos é como está arquivado na pasta dos meus documentos. Tal como o poema Mudança, este continua sendo muito significativo pra mim. Bom poema.

Não deveria ter dito que te gosto
por que quando disse,
inevitavelmente assumi o compromisso 
em ter que te gostar.

Minha palavra quando proferida
se torna lei, fato, concreto-armado,
e me rendo a ela com devoção,
ajoelho-me diante dela para que
me açoite.

Não deveria ter dito que te quero
por que quando disse,
inevitavelmente assumi o compromisso 
em ter que te querer.

Minha palavra quando proferida
é bem inalienável, vibração mentirosa,
porém, que como ferida de sarampo
adquirida durante a infância, perdura
por toda sua vida, mesmo que porventura 
venha a se ocultar debaixo dos seus pêlos.

Agora, temo dizer que lhe amo,
Temo por que dizendo... 
Temo, e temer é atestar com letras
de imprensa no meio da testa 
que lhe amo, pois segundo minhas
teorias psico-psicanalíticas-de-botequim
temer que determinado sentimento se manifeste
é basicamente afirmar que você já o têm sentindo,
já o têm enraizado, já o têm pendurado na 
sua garganta

e que você quer exteriorizá-lo 
pois que esse segurar-se já lhe
põe dores nas juntas;
pois que esse abster-se já lhe
têm deixado muitas noites acordado,
muitos dias acordado pensando no porvir da noite 
na qual, por mais uma vez, não conseguirá dormir.

Eu o amo
e escuto uma canção em francês,
e passo a amá-lo definitivamente

agora

agora que disse
agora que o momento passou a existir.