quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Mudança

Este é um daqueles poemas  em que me exponho ao máximo; aquele no qual nos colocamos do avesso e o marcamos com toda nossa essência e um pouco de ideologias que só são verdadeiras a nível subjetivo. Este poema feito no primeiro semestre de 2008 continua tendo uma relevância extraordinária para mim.
Mudança


Que me importa que não saibamos cantar em inglês?
Que já são dez horas e está na hora de dormir,
porque a manhã espreita raiar?
Vinde. Estarei preparado.
Saberei guerrear.
Mas só hoje me permitirei sonhar;
bailarei a noite toda e de minha boca
verão proferidas palavras de euforia
que nada mais são que gritos de agonia
sufocados.

Lembro-me agora
das vezes em que me alfinetaram,
pequenos furinhos e arranhões;
nada pude fazer
senão suportar, abafar porque homens não choro;
e não chorava até então.

Porque hoje é o dia,
Dia L, L de freedom
que não nos interessa traduzir;
se insistires, não procures num
dicionário, dou-te este sinônimo que
assim nos cabe melhor:
-I love you.
Pois, que essa é a liberdade.

Então cantarei I love you,
posto que num ritmo adequado,
para todas essas canções que a gente não
entende, advindas daqueles estrangeiros.
Coisa fina.

Que não se esqueça do Milton,
do Miltinho,do Bitu, e tantos outros mais,
que é coisa muito mais fina ainda,
música de alma e que a gente
pode cantar, dançar por dentro, pois, que é o melhor.

E já não sobrepujaremos uma forçada língua estrangeira,
já poderemos dizer eu amo você, que é como
o povo se conversa.

Perpassa como um fio, um lalala
que rima com tatata e é tão bonito.
Pudera eu fixar-me nesse poema,
que abriga como coração quente de amante,
com chá de hortelã, frescorzinho lânguido que escorrega
por essa garganta rouca, louca, frouxa.

Enquanto escrevo, crio
Uma casinha bem aqui, de madeira.
Um chalé, com chaminé e forno à lenha,
Uau! pizza de quatro queijos,
com borda torrada e vinho do porto
dulcíssimo.
Uma luazinha árcade garrada nesse teto de cerâmica.
Agora só faltam as pessoas,
Opa, já estou avistando, elas vêm em gôndolas
e trazem frutas tocadas de afagos,
violas com ar de pé-de-moleque;
unidas trazem consigo, sobrevoando-os,
o poema que busquei do Quintana
durante essa longa noite e não o encontrei,
que na certa alçou vôo para trazê-las, as pessoas,
até mim.
Isso enternece meu corpo.

Sentamo-nos à mesa, é pedir demais uma madrugada
onde o tempo não transcorra como de hábito?
Nem que depois apresse
para acompanhar essa ampulheta de sabão em pó.
Preciso de instantes estáticos, apenas fotos seqüenciais
não bastam, eu quero é fixá-los é na memória, como
cicatrizes.

Nisso tudo me prenderei de mudança, assim como vos contei,
sem nem vírgulas, nem pontos, nem letras a mais.

Saibam que assim será meu descanso;
que tarde em chegar para que muitos poemas prendam-vos
o alento, pois que é meu dever ainda inconcluso,
urdi-vos nessa trama de lã que vos favorece no inverno.

Saibam que nisso tudo descansarei,
e se se adia o repouso abstenho-me da culpa, porque
é a campa que se fecha a passos lentos.

Sem que notasse, contei-vos meu último poema,
li-vos o que está inscrito na minha lápide.
Isso me assusta, essa capacidade mórbida e lúgubre
que preservo em selar um poema, assim morrendo,
degenerando-me, como se houvesse redenção em ser
carcomido num jazigo cimentado.

E que isto que se seguiu é uma arma, cuja, dispara
neste verso que lereis:
paa..

(eco)

Ouvirei o disparo à distância, e o fino ruído do projétil
afiando-se na resistência do ar,
buscando-me além dos percalços,
onde me escondi depois que escrevi isso.

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