segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Pornô XVIII

À mesa de jantar eu só queria entender o porquê de se parabenizar os pais dos noivos pelas escolhas que só dizem respeito aos noivos.

- Ah, mas é a tradição!

(servia-se de estrogonofe)

- Porque é assim!

(abocanhava o estrogonofe)

e eu:

- Tenho pavor de toda obrigatoriedade social!





quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Pornô XVII


antes do gozo tudo me serve. a não tão loucura imaginada de esporrar sobre a minha barriga e peito e me esfregar com as mãos, então dormir todo melado. ou de foder de pé, em que você mantem um pé apoiado no chão, o outo suspenso pelo joelho dobrado sobre a cama aguardando a penetração (acoplo). ou a transa com milhões de homens e mulheres, uma suruba infinita de infinitos corpos, de infinitos fetiches desdobrados em putaria que se vende na internet. a verdade é que depois do gozo fica tudo perdido, você corre pro banho tirar a meleca da porra do corpo, o sexo em pé termina em conchinha e o hiperrealismo da suruba vai sendo adiado por mais um pouco.

Esperança

quando você me diz que vai ficar tudo bem,
que tudo se ajeita,
é como se eu recuperasse algo,
como se escancarasse portas,
cavocasse a terra
e lá,
onde nunca imaginei,
re-encontrasse a
poesia.

Sem título mas em mutação

POR ISSO

eu não preciso olhar mais para fora,
porque o fora já me tomou
através das janelas digitalizadas,
através das pontes cibernéticas
pelas quais me desloco inerte
em dedos e multitelas.

O meu limite agora é o dentro !

A minha aventura
é o dentro
da casca de concreto

onde toco clausuras vítreas  
de funduras não inteligíveis
de mim

e

misturo-me ao abissal,

escamoso ou liso,
fosforescente
como olhos de lanterna:
  
- SOU peixe MUTANTE!

terça-feira, 29 de maio de 2018

Diário de Bordo III


Distanciar-se
aproximar-se,
como as embarcações que chegam,
ancoram e partem a todo instante.

Tal como as pessoas,
os outros animais, insetos,
tudo o que é vivo (a pedra) (o sedimento de pedra) e que por algum motivo,
o mais diverso e desconhecido motivo,
chega,
ancora e

p a r t                    e.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Tá na cara, Melodia

Me sinto a vontade no meu carro.
Extremamente a vontade no meu carro.
Cutuco as narinas,
retiro o tatu
e faço bolinha.

Às vezes eu lanço pra fora da janela num peteleco,
outras, eu passo no banco ou boto na boca,
dou uma mordidinha
e sem coragem de engolir
lanço pra fora da janela
e já não é mais problema meu.

(do meu carro eu também sei escarrar)

Fora de mim, eu lavo as minhas mãos;
fora do meu carro,
não sou, não existo, não pertenço!

A cidade em si eu não vejo,
as pessoas tampouco. 

As pessoas esperando na faixa de pedestre,
elas existem num plano espiritual muito distante
do qual não faço parte.

(daqui a pouco a gente entra naquele mês de conscientização no trânsito)

"acho que estou numa propaganda do carro que será o carro do ano.
Trajo terno e gravata e a barba rala 
como dizem que as mulheres gostam,
e sou branco.
Branco numa cidade tecnológica e desabitada,
mas ainda de fé cristã,
porque em frente da faixa há uma igreja
e insisto em fazer o sinal da cruz"

me benzo!
E sigo abençoado, na velocidade que quero,
pela rua que quero, cruzando, transpassando e penetrando
a via que quero sem os olhos do julgo, repetindo
intermitentemente a minha auto-ajuda

eu posso (dentro do meu carro)
eu sou (dentro do meu carro)
eu existo (dentro do meu carro)
porque tá na cara que o jovem tem seu automóvel, Melodia.

Mas daqui a pouco a gente entra naquele mês de conscientização no trânsito,

(antes fosse só o mês das noivas!)

bota a fitinha amarela e finge ser educado,
o amarelo do patinho de borracha
e que de nada entende de nada
circulando na cidade
confortavelmente em seu carro.


segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Fragmento

Vou ficar em silêncio
mesmo que o silêncio não me sirva
e eu deseje mesmo o movimento

a fala incontida,
os dedos sobre o seu corpo,
a aresta vincada com unha do origami,
o seu sorriso fácil,

a imagem entrecortada
desses pequenos prazeres

quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Memória

Certo que uma palavra dita uma única vez possa,
inexoravelmente, atravessar a camada córnea
e ali permanecer
como a um berne
apodrecendo a carne.

Coisa mais nojenta!

põe-se uma manta de toucinho
sobre o ferimento vulcânico,
aguarda o berne apontar para o respiro
e então, pinça-o com a destreza de um médico cirurgião vulgar,
um curandeiro de ladainha incensada:
- Que não deixe seus ovos!

Depois com fósforo e álcool,
incinera-o.

(O fogo é elemento fundamental para purgar o mal:...)

II

mas,
sendo a palavra substância sem veículo corpóreo,
sobre ela não se põe emplasto,
não se extrai com pinça,
não se atiça o fogo

III

a palavra!
ah, o que se faz com a palavra?
aquela ouvida para se instaurar como a um mal,
como a um berne?

IV

Recomendação:
não a detenha!
Deixe que circule mas não a detenha.
Nunca a detenha!

a máquina da noite

tique-taque taque
uma nova ordem instaurada,
nada a ver com a máquina do coração,
o relógio digital.

deve ser louco
aquele que reitera
a obviedade das coisas

-o relógio, antigamente,
fazia um tique-taque, tique-taque...
vinha da sala e
ressoava pelos outros cômodos
até desaparecer, hipnoticamente, em sono.

Acordávamos sem o tique-taque:
sim,
alguma coisa surgia e se perdia com a noite!







segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Diálogo

às vezes,
coloco as mãos por primeiro
e faço.

Outras, coloco o coração por primeiro,
em seguida
o restante do corpo.

o que quero dizer com isso
é que
às vezes eu construo e passo a ter amor;
outras,
amo fora do processo.

só não deixo de amar 

nunca.



sexta-feira, 7 de julho de 2017

1º de agosto de 2016 (fragmento autobiográfico)

Eu me tornei leonino.

Mudei a data do meu aniversário para o dia 1º de agosto. No dia 1º de agosto eu nunca mais fui o mesmo. Mas só quem já perdeu o chão alguma ou algumas vezes compreenderá esse texto. Nada de se imaginar no lugar do outro como a um especialista acadêmico, um religioso caridoso, filantrópico ou simpatizante. Se você não sentiu o que eu senti, retire suas palavras do meu caminho. Essa não é a sua luta e nem a sua vida. Sim, só pode falar de paixão, quem já se apaixonou; só pode falar de vício, quem é ou já foi viciado; só pode falar de dor, quem deveras já sentiu, e por instantes viu seu chão sumir num cadafalso: a corda apertando a garganta, sufocada em choro e pavor; e passou dias indo dormir com o choro repreendido num sorriso para que ninguém percebesse o quanto estava doendo, o quanto tudo, de uma hora para outra tinha se tornado mortal, ou se apercebido mortal. Os superpoderes da adolescência ruíram. Não era mais eu e também não era mais ninguém. Parece confuso, mas é só sentimento.

Naquele momento, e no outro momento e no seguinte, eu também não poderia ser mais ninguém. Morri um pouco. Morri mais um pouco. Olhava-me no espelho inventado de mamãe Oxum, e me perguntava: em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília, quantas vezes eu me reportei aos seus poemas, e dali fui alçado, ainda que um pouco sujo, atrofiado, como a um passarinho que num deslocamento rasante, dá com o bico na vidraça e atordoado não se imagina mais voando. Mas passado o momento, torna a voar... Diferente das outras vezes em que havia algo de estético no sofrimento, dessa vez, havia um sofrimento de verdade. Era físico, mas que não se podia extrair; era imoral e sujo, de uma sujidade microscópica, científica e distante.

- No teu espelho, Cecília, eu caí, irreconhecível!

Por onde eu andei, através do espelho, eu vivi mundos lúdicos de horror. Havia tantos outros como eu! Todos contaminados, com feridas, escaras, protuberâncias purulentas, mutações animalescas que permitiam voar, engatinhar ou sentar às escrivaninhas e manter seus trabalhos normalmente, mas sem expectativa de cura: uma burocracia! Uma pílula que pousa sobre o estômago, mas sem promessa de toque! Um malote de correspondência recebido, outro entregue, mas sem expectativa de cura. Eram de fato monstruosos!

\ como conseguiam?
\ como eu consegui?
\Riam-se de mim e do canto de suas bocas, encharcavam-se de pus e isso não lhes doía. Como não podia lhes doer?
/ Eu saí correndo.
/ Fuga.
\ Tão purulento e monstruoso quanto eles, tão viral e contagiante quanto eles.
/ Fuga. Eu cansei de fugir.

Foi quando me sentei, e estanquei o choro comprimindo os olhos induzido por uma força de redescoberta. Aí você me pegou no colo, disse algumas palavras e eu voltei a chorar, a me desfazer e refazer, e nos desfizemos e nos refizemos, dia após dia, com amor e por amor.
1º de agosto de 2017. Eu me tornei leonino, não que eu acredite mais com fervor em astrologia como antes; não que eu precise me explicar sobre qualquer coisa que eu creia ou deixe, não mais:

Que eu me livre de ser
De estar sendo
Aquilo que querem de mim

Não mais hoje!

Hoje eu sou outro
Hoje eu sou quem eu quero ser
Pra quem eu quero ser
Com quem eu quero ser

Reconstruído
Vivo
De pazes com a morte.


domingo, 25 de junho de 2017

Noite de sono

Quero, sei lá... ser livre!
deixar o passado lá
e sair cantando
la ra ra

a gente sabe que é possível!
começa sem muita vontade
num assovio tímido,
quase um chiado;
um rangido de dentes;
uma fresta de luz cortando a escuridão

NUM GRITO

- FALE!

logo estamos rendidos!
um dedo a mais que se mexe
outro corpo contaminado
pelo movimento
que o anima;
outra boca que se abre

num milagre:
um milagre essencial:
por um milagre cotidiano!

Outro Lázaro que ressurge,

tique-taque-taque

desperto da cama,
escovo os dentes,
beberico meu café,
penetro o dia desatado
dos nós
e
deixo-me ir

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Liberdade

se eu passar por esta noite ileso
passo pela seguinte
e pela próxima
também ileso

é necessário a repetição:
a loucura a exige
tanto quanto a liberdade

eu sairei ileso esta noite
e na próxima e próxima noite
eu sairei ileso
também



fora as amarras
do corpo e do sonho
eu já estarei livre

Vazio

criar o vazio
delimitando-o com paredes

ocupar o vazio

dispor alguns móveis,
principalmente
sofás, bancos, cadeiras e chão...

sentar-se nestes
acender um cigarro ou um incenso
ou a lareira defronte

acender

deixar que seja fumaça
que se evole o pensamento
que se espraie a cinza, o corpo e as paredes
átomo a átomo
até ser nada
e tudo
existencialmente

vazio


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Sendo o amor uma escolha

Quando ele me disser vem, não terei medo de ir
estarei pronto o momento que for
sem dúvidas ou medos bobos
:
de todas as escolhas,
o amor
é a que exige mais coragem


sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Medo de ficar Zen

Vou começar a dizer por dizer 
desvairadas palavras 
que pelo corpo 
ricocheteiam 
como trovões ao longe

e não muito longe
quero mais que se foda tudo isso
quero a palavra racional
como tratamento de choque
:
raspar a cabeça
ainda me é a catarse
mais apropriada



Apatia

Isso não é meu.
esses sentimentos embotantes do pensamento e da alma
.

fico parado
observando esse desajuste

e lá de dentro
ouço um rangido
de porta que não se abriu
de engrenagem emperrada
que não girou
mas que marcou no tempo
seu descompasso




o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...