terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A memória inventiva II

EMBELEZAM SUAS LEMBRANÇAS DE TAL FORMA
QUE UMA GALINHA SE TRANSFORMA EM ÁGUIA

A memória inventiva I

Um filhote de gato entrou na cozinha exatamente agora. Agora que estou escrevendo e preciso de inspiração, de um insight. O gato arisco entrou, e quando percebeu que eu olhava se enfiou na fresta que entremeia o freezer e a geladeira. Se eu tivesse sido rápido, sacava a câmera fotográfica do bolso e o fotografava.  Sou do tipo que mata a cobra e mostra o pau; não porque duvidariam de mim, mas porque eu duvido de mim, do que vejo, do que leio, escuto ou toco, a minha memória distorce tudo. 

sábado, 18 de janeiro de 2014

alma retorcida, gânglio inflamado

Há sei lá o que me retorcendo por dentro
Tudo se emaranhando num só nó
apertando, esticando, estrangulando
depois frouxa
me deixa na lassidão...
depois volta
aplaco a dor com uma pílula de paracetamol.
Sorrio.

Lembro-me de uma reportagem com o seguinte lead:
“Paracetamol pode ajudar pessoas com depressão”
Absolutamente que sim,
se dói na alma,
procure os gânglios da virilha,
eles estarão inflamados.

superego

É por certo que já se vão uns sete anos de deslocamentos absurdos entre o imaginário e o real, e a verdade dilui-se entre tais mundos. Esferas da loucura. Acontece que a gente envelhece e das camadas mais profundas a memória brota. O que com esforço se pensou esquecido, surge inesperadamente para inflar os pulmões de remorso e adoecer o corpo. A memória ressuscitada em sua estrutura cadavérica a nos assombrar ao percorrer e transmutar a casa num desconhecido lugar, onde pisos invertem-se em tetos e os objetos flutuam; a loucura conjurada. O desespero sentido nas coisas. Então, a gente já não sabe o que é verdade e o que é mentira, o que é memória memória, ou memória inventada. 7 anos de dúvida. 

Lembro-me de você preparando uma pizza: extrato de tomate, mussarela e orégano, forno e eu esperando ansioso por um pedaço da pizza. O cheiro de orégano queimado espraiava-se pelo apartamento. Na terceira mordida já não queria mais. Fomos pro quarto e você me beijou, e me comeu. Depois dei pro seu amigo, o que jogava vídeo game e de pau duro pediu pra eu sentar e rebolar. Dizia a você: só não deixa “ele” assim, que tem gosto ruim. Tinha vergonha, e me referia a “ele” quando pedia para não tirar a cabecinha do pau mal lavada. Divertíamo-nos muito. Ele me acordava de madrugada, trancávamo-nos no banheiro, a toalha no chão, eu de quatro e ele ajoelhado atrás de mim, ambos quietinhos pra ninguém acordar. Até que em mim tudo imergiu em pecado. Era um grande pecador! Segundo meu pai, antes uma filha puta que um filho viado. Agora eu era viado, e era tão feio ser viado, mas maior era o medo que me descobrissem viado e ninguém gostasse mais de mim. Fui ficando viadinho, quietinho... eles me pediam e eu não dava, mesmo morrendo de vontade e tendo sonhos com eles. 

Era tão novo, a repressão tão forte, e o segredo tão necessário, que hoje duvido muito da veracidade. Sempre fui tão imaginativo que tudo isso pode ser criação da minha cabeça, por um dia tê-lo visto se secando após o banho, e disto ter feito matéria para as mais promissoras fantasias sexuais.