sexta-feira, 7 de julho de 2017

1º de agosto de 2016 (fragmento autobiográfico)

Eu me tornei leonino.

Mudei a data do meu aniversário para o dia 1º de agosto. No dia 1º de agosto eu nunca mais fui o mesmo. Mas só quem já perdeu o chão alguma ou algumas vezes compreenderá esse texto. Nada de se imaginar no lugar do outro como a um especialista acadêmico, um religioso caridoso, filantrópico ou simpatizante. Se você não sentiu o que eu senti, retire suas palavras do meu caminho. Essa não é a sua luta e nem a sua vida. Sim, só pode falar de paixão, quem já se apaixonou; só pode falar de vício, quem é ou já foi viciado; só pode falar de dor, quem deveras já sentiu, e por instantes viu seu chão sumir num cadafalso: a corda apertando a garganta, sufocada em choro e pavor; e passou dias indo dormir com o choro repreendido num sorriso para que ninguém percebesse o quanto estava doendo, o quanto tudo, de uma hora para outra tinha se tornado mortal, ou se apercebido mortal. Os superpoderes da adolescência ruíram. Não era mais eu e também não era mais ninguém. Parece confuso, mas é só sentimento.

Naquele momento, e no outro momento e no seguinte, eu também não poderia ser mais ninguém. Morri um pouco. Morri mais um pouco. Olhava-me no espelho inventado de mamãe Oxum, e me perguntava: em que espelho ficou perdida a minha face?

Cecília, quantas vezes eu me reportei aos seus poemas, e dali fui alçado, ainda que um pouco sujo, atrofiado, como a um passarinho que num deslocamento rasante, dá com o bico na vidraça e atordoado não se imagina mais voando. Mas passado o momento, torna a voar... Diferente das outras vezes em que havia algo de estético no sofrimento, dessa vez, havia um sofrimento de verdade. Era físico, mas que não se podia extrair; era imoral e sujo, de uma sujidade microscópica, científica e distante.

- No teu espelho, Cecília, eu caí, irreconhecível!

Por onde eu andei, através do espelho, eu vivi mundos lúdicos de horror. Havia tantos outros como eu! Todos contaminados, com feridas, escaras, protuberâncias purulentas, mutações animalescas que permitiam voar, engatinhar ou sentar às escrivaninhas e manter seus trabalhos normalmente, mas sem expectativa de cura: uma burocracia! Uma pílula que pousa sobre o estômago, mas sem promessa de toque! Um malote de correspondência recebido, outro entregue, mas sem expectativa de cura. Eram de fato monstruosos!

\ como conseguiam?
\ como eu consegui?
\Riam-se de mim e do canto de suas bocas, encharcavam-se de pus e isso não lhes doía. Como não podia lhes doer?
/ Eu saí correndo.
/ Fuga.
\ Tão purulento e monstruoso quanto eles, tão viral e contagiante quanto eles.
/ Fuga. Eu cansei de fugir.

Foi quando me sentei, e estanquei o choro comprimindo os olhos induzido por uma força de redescoberta. Aí você me pegou no colo, disse algumas palavras e eu voltei a chorar, a me desfazer e refazer, e nos desfizemos e nos refizemos, dia após dia, com amor e por amor.
1º de agosto de 2017. Eu me tornei leonino, não que eu acredite mais com fervor em astrologia como antes; não que eu precise me explicar sobre qualquer coisa que eu creia ou deixe, não mais:

Que eu me livre de ser
De estar sendo
Aquilo que querem de mim

Não mais hoje!

Hoje eu sou outro
Hoje eu sou quem eu quero ser
Pra quem eu quero ser
Com quem eu quero ser

Reconstruído
Vivo
De pazes com a morte.


domingo, 25 de junho de 2017

Noite de sono

Quero, sei lá... ser livre!
deixar o passado lá
e sair cantando
la ra ra

a gente sabe que é possível!
começa sem muita vontade
num assovio tímido,
quase um chiado;
um rangido de dentes;
uma fresta de luz cortando a escuridão

NUM GRITO

- FALE!

logo estamos rendidos!
um dedo a mais que se mexe
outro corpo contaminado
pelo movimento
que o anima;
outra boca que se abre

num milagre:
um milagre essencial:
por um milagre cotidiano!

Outro Lázaro que ressurge,

tique-taque-taque

desperto da cama,
escovo os dentes,
beberico meu café,
penetro o dia desatado
dos nós
e
deixo-me ir

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Liberdade

se eu passar por esta noite ileso
passo pela seguinte
e pela próxima
também ileso

é necessário a repetição:
a loucura a exige
tanto quanto a liberdade

eu sairei ileso esta noite
e na próxima e próxima noite
eu sairei ileso
também



fora as amarras
do corpo e do sonho
eu já estarei livre

Vazio

criar o vazio
delimitando-o com paredes

ocupar o vazio

dispor alguns móveis,
principalmente
sofás, bancos, cadeiras e chão...

sentar-se nestes
acender um cigarro ou um incenso
ou a lareira defronte

acender

deixar que seja fumaça
que se evole o pensamento
que se espraie a cinza, o corpo e as paredes
átomo a átomo
até ser nada
e tudo
existencialmente

vazio


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Sendo o amor uma escolha

Quando ele me disser vem, não terei medo de ir
estarei pronto o momento que for
sem dúvidas ou medos bobos
:
de todas as escolhas,
o amor
é a que exige mais coragem


sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Medo de ficar Zen

Vou começar a dizer por dizer 
desvairadas palavras 
que pelo corpo 
ricocheteiam 
como trovões ao longe

e não muito longe
quero mais que se foda tudo isso
quero a palavra racional
como tratamento de choque
:
raspar a cabeça
ainda me é a catarse
mais apropriada



Apatia

Isso não é meu.
esses sentimentos embotantes do pensamento e da alma
.

fico parado
observando esse desajuste

e lá de dentro
ouço um rangido
de porta que não se abriu
de engrenagem emperrada
que não girou
mas que marcou no tempo
seu descompasso




terça-feira, 18 de outubro de 2016

sábado, 3 de setembro de 2016

Verticalização

II

No círculo da Bruxa
acenaram positivamente para mim

que sim! sim,

haviam percebido minha chegada
antes mesmo de ali me fazer presente
de me sentir presente

corpo e mente
num      deslocamento  improvável
de despertencimento

nem onde estive, nem onde estava
(...)
embora pudesse lhes trazer à mente
um quadro de Francisco de Goya:
figuras míticas do assombro:

bestas deglutindo crianças
como quem aperitiva pedaços de frango;
bruxas em seu trajes miseráveis
em torno de um diabo a sorrir,
de chifres e guirlandas,
tudo
sobre um fundo escuríssimo
como nos olhos negros
do menino que há pouco vi na foto.







Palavrório de três versos

Convicções
apenas
Co-ficções

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...