terça-feira, 3 de junho de 2014

A sala fez-se encosta rochosa: era arrebentação

Xinguei-a: vida, sua filha da puta! Esmurrei o ar e repeti o impropério: vida, sua filha da puta! Como se xinga alguém eu xinguei a vida. Como se a vida fosse feita de alguma matéria tocável, um corpo lânguido recostado no sofá a lhe causar ódio, porque descansa, e você sofre. Abri novamente a boca e também, novamente esmurrei o ar. Ainda descontente, levantei-me da cadeira e me agigantei: Vida, sua filha da puta! Tinha agora os olhos às pupilas dilatadas de um morto, o coração disparado e arrítmico ardendo na aorta. A dor aguda no peito, a respiração rareada, uma pressão dos diabos: sabia que vazaria por todos os lados. Então abordei a existência. De tudo aquilo o que restou foi isto? Ter meu sangue vertido pelos ouvidos, narinas e outros orifícios sem meu consentimento? 


Estavam todos lá sobre o monte. Paisagem árida com poucos arbustos. O céu azul imperturbável de nuvens confirmava a terra crestada espocada de rochas; confirmava também, diferente do que se via nos filmes, que não cairia uma gota d’água em meu funeral. Tempo de seca e morte sob o esplender do sol. Por isso estavam todos no cume do monte. Num desespero festivo, soerguendo braços, dançavam o ritual, contatavam divindades. Puseram-me no centro, nu como a uma virgem ou outro animal qualquer. (novamente dentro do círculo da bruxa). Em mim surgiram chagas; talhos na pele gotejavam o sangue, a oferta. Embora entendesse o meu fim e devesse acordar ao sacrifício, fui tomado por uma bestialidade própria dos animais com chifre, dos anjos rebelados... vejam, gritou alguém que não pude identificar na minha agonia, é Baphomet corporificado aceitando a nossa oferta! Como num enxame, infestaram sobre o meu corpo, estrebucharam-no, estriparam-no e iam com os meus órgãos em suas mãos obter a benção.


Lá do alto, na encosta rochosa, você me perguntou: sabe o que o mar significa? Assenti que não com os olhos mirados no horizonte. O mar é o nosso inconsciente.

Então o mar rebentou na minha sala. Depois invadiu os outros cômodos. Água salgada soçobrando a vida construída. O que era feito de vazios, flutuava, dava-se ao fluxo da maré inventada; o que era maciço ganhava aspecto de embarcações há muito naufragadas colorindo espectros de luz o fundo e suas partículas em suspenção. Suspendia-me. Esvaziava-me as artérias, premido pelo desejo dos que querem ser encontrados, mas se lançam da encosta rochosa. A água inundava o meu corpo, e cada vez mais denso constrangia-me à submersão, à ancoragem, ao naufrágio, ao meu sufoco. Morreria ali. Nunca mais inteiro e reencontrado, preso entre os escombros, o meu corpo se decomporia limoso a mercê do movimento das águas.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Nada

Intrínseco em mim a facilidade de me entristecer sem motivo. De interruptores a baratas, o meu olhar fixa-se e se distancia. Um estado meditativo? O de me haver perdido e amorfo e vazio e cheio de não motivos. De me entristecer por nada, nada mesmo. Comidas requentadas, desafortúnios, desamores, mortes, doenças, não, não é o que me deixa triste, o que me entristece é o nada que me procura. Essa busca, mística e improvável, que o nada insiste, bate e rebate nos corpos dos outros e acha lugar em meu rosto, em meus olhos que se entristecem e vão ter com ele o diálogo preguiçoso sobre o nada. E por horas fitamo-nos um ao outro, com os olhos, com a boca, com as narinas... inspiro, ele inspira também. Alongo os dedos, ele faz o mesmo. Molho os lábios ressecados, ele acha que vou falar algo, visto que não, lambe os seus e guarda sua língua também. É sempre assim, salvo as pequenas diferenças gestuais que nem são tão diferentes assim. Por vezes no nada reconheço o gesto de outrem já passado e permanecido em mim. Disfarço, mas o nada, onisciente e refletido, põe-se a gesticular rindo de mim. Tolo, acha que pode se esquecer de tudo e começar do zero. É sempre o outro permanecido incidindo sobre mim e o nada me espelhando numa mímica dos ausentes. Saudade? A gente que se amava tanto e não se ama mais, agora ama os outros num amor herdado. E no lapso entre o meu riso e o seu, está o nada, está o seu descontextualizado na minha face rindo-se de mim, do meu discurso falso sobre a vida e a liberdade, pronto para me lançar no calabouço úmido com o nada cíclico.

Agora você pode voltar ao começo do texto...

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Doce é o enxovalho se é da tua boca que me vem

Doce é o enxovalho se é da tua boca que me vem
Pois tudo que chega ao meu ouvido,
vindo de ti,
só pode ser bom.

Porque vem
como tiros certeiros
sobre os cercos do amor e do ódio.

Deita o gado pelos chifres
Imola-o com sua faca
Verte o seu sangue
Sai ileso.

Estilhaça garrafas
faz um estrondo.
põe as putas,
os cafetões,
os bêbados e o dono do bar pra correr.

(Filmes de bang-bang são os seus favoritos)

Coração nauseabundo, hálito alcoólico, nicótico
entre o vício fluxo refluxo
Vou até a sua boca e com um beijo retorno
ao seu estômago.
Aperta-o como se fosse possível me extrair.

Então
me aposta
pelo prazer limítrofe de ter e me perder.
(...)
No hiato entre um blefe e um riso raso
lança as cartas, as certas
confunde o adversário
me reconquista.

Afortunado,
coloca-me num dos seus ombros
empunha sua pistola
e faz amor comigo.

fragmento

Há por certo novos ares de liberdade assolando a minha mente. Ares que até ontem pensei não existirem. Tudo parecia sufocado, enlameado, trancado, como a vontade de escarrar e não conseguir. Agora chamo por ele e imediatamente me vem à garganta e num único movimento com a língua e a boca lanço-o ao chão. Há quem ache nojento, inapropriado, mas também são os mesmo que acham a liberdade nojenta e inapropriada. A eles o meu catarro esverdeado, como bandeira hasteada para a liberdade.

domingo, 11 de maio de 2014

Sonho

Meu pai trouxera para dentro da garagem um tigre. Ainda sedado fora posto dentro de uma caixa de sapato. Exuberante como os vistos pela televisão tinha a pelagem convidativa ao toque, os olhos penetrantes, os bigodes altivos. Os bigodes e a sua postura altivos como todo o corpo, contundente em seus movimentos ainda que estivesse sedado. Permaneci encantado. Com meus olhos o percorria, escaneava como um laser, registrando toda a sua ferocidade contida nas garras, nos dentes, que em questão de um minuto e meio, o tempo de retirar a xícara do microondas com leite fervido, depois mais meio minuto para misturar o café solúvel, me surpreenderia pelas costas, me enterraria as garras e com sua bocarra me estraçalharia no chão da cozinha. Entrei em pânico, mas ainda encantado com a possibilidade. A insólita possiblidade de ser estraçalhado por um tigre, no chão da cozinha e não ver o que me comia, mas saber que, o sague e a carne que se exporiam, decorria de um ataque de um tigre feroz, que acordou do seu sono intranquilo, primitivamente esfomeado em busca de carne, era para mim lisonjeador. Serviria a ele, mesmo que petrificado pelo medo. Medo que me fez dizer ao meu pai: 

- É ilegal manter animais exóticos em domicílio. Além do mais, ele é grande e na garagem cabe sequer uma pata dele. E a caixa de sapatos, - soltei um riso -, me admira tê-lo cabido. 

Fora a mesma coisa com o revólver comprado pelo meu pai. Quando o vi, ressaltei minha indignação, a minha moralidade, a minha falta de maturidade em relação à morte. Está carregada, veja. Revólver cromado de punho preto; as balas pareciam de prata e reluziam nos meus olhos, e a verdade é que me encantava com a arma por trás do meu discurso, que a queria em minhas mãos para usá-la. Simplesmente usá-la matando passarinhos ou estilhaçando garrafas sobre os tocos que conformam as cercas do sítio. Me sentiria vivo, com o sangue pulsando numa intensidade desigual, avassaladora.

Então a verdade que eu não queria ouvir, aquilo que é negado por não se ouvir os outros em sua completude. Assimilamos palavras desconexas, as reorganizamos, as ressignificamos ao nosso burlesco mundo jornalístico. 

-Meu filho, não é um tigre! Veja, é apenas um gato e ele está morto! Falei apenas que parecia um tigrezinho de tão parecido. Atropelei-o na vinda pra casa e achei que deveria trazer e enterrá-lo aqui no quintal, ao invés de deixá-lo apodrecer e impregnar a rua com sua fetidez. 

Olhei incrédulo. Era realmente um gato de pelagem semelhante à de um tigre, e morto. Senti em minhas entranhas algo que beirava ao vômito, ao catarro antes do ato de ser escarrado. Entonteci. A minha mente nublou de pensamentos revoltosos contra meu pai, contra mim, contra o gato, o tigre, o revólver e a morte. Numa fuga de ilusões, numa vontade de não ver tudo isso, virei a cabeça para a esquerda e me deparei com um lindo gatinho, parecido com um tigre se alimentando numa tigela com leite branquíssimo, quase plástico de tão branco. Desde então, nunca mais nenhum animal morreu, sequer um parente, até mesmo os que já morreram, levantaram de seus túmulos com as mesmas vestes impecáveis com que foram enterrados e agora convivem comigo, reclusos e felizes por gozarem da vida como imortais.

terça-feira, 6 de maio de 2014

memória que eu me conto

Já faz tanto tempo...
Foi-se o Big Bang
e você continua sendo
matéria pros meus poemas

Amendoim

Escuta o que tenho a lhe dizer.
É pequeno, intenso e intacto
como a um grão de amendoim descascado e não partido.
Imagine só, nossos olhos
sobre o cume do amendoim, sobre a pele cor de dunas,
vislumbrando o tamanho do gérmen,
lá onde as coisas intumescem, lançam raízes,
perfuram a terra
e depois brotam.

Escuta o que tenho a lhe pedir.
Não se assuste porque é pouco e simples.
É só um pouco de companhia, amendoim torrado e cerveja gelada.
Quem sabe eu lhe peça um beijo, um abraço...
Mas não se assuste, porque isso é depois do amendoim,
da cerveja e da muita conversa que teremos.
Que é quando as coisas criam raízes,
perfuram as nossas carnes e brotam.

amor, cebola e alho

Lembrei-me do programa de culinária que víamos
“Gente, vamos refolgar primeiro o alho
e depois a cebola. Por quê?
Porque a cebola solta água e estraga o sabor do alho.”
Imediatamente perguntei:
“Amor, eu sempre fiz certo né?
Sempre refolguei primeiro a cebola e depois o alho?”
Ele responde:
“Sim, amor, você sempre fez certo!”
Verdade ou não,
Ele estava tomando cuidado pra não ferir o meu ego.

Pílulas por vir

Vou a outro psiquiatra,
quem sabe me receite umas
(...)
Ou contato o mercado negro,
Especificamente a minha tia.
Ela sempre descola umas receitas
pretas, rosas, azuis.
pílulas diversas,
flores de todos os tipos
para desabrochar
nos olhos do notívago.

Poesia de Rotina

Poesia de Rotina
muita gente acredita
acredito que sim
também acredito
que há um cotidiano
e dentro do cotidiano
Poesia de Rotina

Outro por vir

de um instante ao outro
torno-me outro
que me comunica à face:
És imediatamente outro agora!
Você não é bipolar, disse meu psiquiatra!
agora o que faço com esse outro incurável?
com esse outro desesperançado de pílulas?

Vou a outro psiquiatra,
quem sabe me receite umas.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

seja você a parte do meu poema

por só nos vermos em partes
é que te rogo
uma ultima mordida
pra te arrancar um último pedaço
do seu céu claro
que desanuviará
o meu poema
com a tua presença

quarta-feira, 30 de abril de 2014

possível primeiro encontro

I

Seria assim:
Eu, constrangido
Ele, sem jeito.
Muito assunto
em poucas palavras.
Ele diria:
- diga alguma coisa?
Eu:
-não sei o que dizer!

II

Sorrio delicadamente
ou beijo o seu rosto?
Aperto a sua mão
ou te arrasto até a minha cama
enquanto me adianto tirando sua roupa?

III

ensaio minha reação
para que,
quando tocar o interfone
subir por minhas escadas
e adentrar por minha porta
eu não te espante com minha gargalhada nervosa
mas que eu te sorria
delicadamente.

IV

Em resposta desesperada à possibilidade de um encontro físico
Faço trejeitos diante do espelho
Tiro as roupas do guarda-roupa
Os sapatos e os cadarços.
Procuro as correntes, os anéis
As pulseiras e suas contas
Provo-as, recombino-as...
Cubro meu corpo com o que de mais belo possuo
Porque é somente o mais belo
Que te desejo dar.


das vivências

Andei meio assim contigo
Meio de inimizade
Olhar cabisbaixo
Vergonha de eu ter um sentimento tão ruim por você
Por coisa pouca
Diga-se pouquíssima coisa
Detalhezinho sem importância

É que eu tava numa
(Tipo amargura ou falta de nicotina?)

Desgostoso e perdido
Entre os meus pensamentos egoístas
De um passado desperdiçado
E um futuro inexistente.



Outra bostinha de poema

Antes que abril vire maio
E alguém diga que eu não disse nada
Sobre o fim de abril
Nem do começo de maio

Ta aí, 
uma bostinha de poema

Totalmente despretensioso
Pra dizer que é só o fim de abril
E o começo de maio
Que se repetirá, repetirá, repetirá...

mas com feriado. 
XD

terça-feira, 29 de abril de 2014

Uma bostinha de poema, é isso que você é

Gosto de dentes bem escovados
Lápis sempre bem apontado
A lapela bem ajustada
O branco bem alvejado
O preto não desbotado
A barba bem feita
Sem açúcares ou cereais refinados
Tudo integral e moderado
Para não irritar o intestino
(Gases, dores de barriga e uma barriga protuberante
Causam desgosto.)

um trabalho um tanto engajado
Apartamento quitado
Carro e moto na garagem
Um namoro sadio
Sem brigas e sexo moderado
(só com amor)
Festas, só as de família
Não aos cigarros, às bebidas destiladas
Às drogas pesadas
No máximo uma xícara de café preto pra acordar
E um baseadinho nos finais de semana
Pra organizar o pensamento
Também
pros amigos não dizerem
“Careta”

Uma vida bem regrada
Nem muito nem pouco
redundantemente
Só o necessário
Pra não confundir a necessidade
Com o desejo
E me por animalizado
atrás de coisa alheia.

terça-feira, 22 de abril de 2014

desajustados

Um não lugar vaga
Orbita entorno ao meu corpo
E dos outros corpos.
Os outros corpos
Nos seus não lugares devidos

Perdidos
Mas seguidos
Por outros

Alguém diz:
Eu sinto o mesmo!
Sentindo o mesmo
Percebemos o nosso não lugar
Entendido e compartilhado
Tornando-se um lugar

O lugar dos desenquadrados
Dos desajustados

Dos desqualificados

de longe o teu aceno reverbera no meu corpo

Faz de mim risível
A tua boca cheia de dentes
Diante ao meu olhar
Apiedado e mortiço

Acena de longe o teu descaso
A tua amizade por mim

Faz de mim só desesperança
De por ti não me ser realmente visto ou
Tocado
.

tão logo, quero solidão

A solidão aporta como uma intrusa.

Desestabiliza-me.

É sempre uma luta entre a liberdade e a companhia.
A liberdade que me dá tudo
Mas não me dá corpo
O corpo que me dá companhia
E tão logo o desassossego
de não me querer mais em companhia;
nem os cafés-da-manhã, os bombons, os pratos elaborados
os vinhos sofisticados
nem o resto depois do sexo.
Acho tudo um excesso!

Só me penso lavado e deitado
Refestelando-me
Com um travesseiro entre as pernas.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

coordenadas

A primeira porta à esquerda
Fica fácil
Entro sem titubear
O pensamento desanuviado
Não há erro
Ali é o banheiro

Seguindo pelo corredor
Vire à direita
Depois à esquerda
Siga reto
É a terceira porta à direita

Titubeio

O corredor escuro
Bifurcado
Encruzilhada de feitiço
Olhos vendados
Corpo desavisado

A porta à direita
Uma forca sobre o cadafalso
Um grande abismo aberto sob meus pés

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Cena

Peraí que tu é meu

Se virou
me pegou pelo braço
me arrastou d’ali

Tivemos uma noite juntos.

Foi isso.

terça-feira, 8 de abril de 2014

superstição III e IV

III

Imagine se o amor fosse um amuleto?
Um patuá, uma garrafada?
Quartzos rosa
Pesando-lhe os bolsos?

Tudo bobagem.

O que ele acredita
É em boas “vibrações”.

IV

“Coloco calcinha rosa, amor?!”
“Vermelha, paixão?!”
“Põe rosa com lacinho vemelho.
Mergulha no espumante docinho
e vem molhadinha
que dá sorte pra nós!”

contrassenso

De 
tanto 
me 
prevenir


Passo 
a vida 
me 
remediando  

segunda-feira, 7 de abril de 2014

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Superstição

II

Saio ferido.

Nunca fui um amuleto
muito menos escudo
e toda vez que lhe digo isso,

(a verdade)

ele me tira do seu pescoço
apela aos santos,
ao olho grego
à figa

só não apela ao nosso amor
porque não acredita nesse
tipo de superstição

segunda-feira, 31 de março de 2014

superstição

O que me diz
É que sou seu amuleto
Sua erva mágica
Sua superstição
“Rafael-contigo-ninguém-pode”
Usa-me como escudo
E no combate me lança contra a espada
Do inimigo

domingo, 30 de março de 2014

O que fazer depois de uma entrevista de emprego?

Nada!
Não faça nada!
Absolutamente nada!
Não estale os dedos,
Nem morda os lábios ou
detenha o telefone em suas mãos.
Muito menos conte aos outros
Que acabou de sair de uma entrevista de emprego.
Fale qualquer coisa,
Que acabou de tomar banho
E se vestiu para dar uma volta na cidade.
Ou, mesmo que pareça nonsense,
Que se vestiu para ficar em casa
Porque está se sentindo de bem consigo mesmo.
Só não manifeste a ansiedade, a sabotadora,
A que lhe consome as bases
E lhe atordoa.

De repente o telefone toca.
Número desconhecido,
Coração, corpo e suor:
“Fui contratado!”
Mas de repente é a morte.
De repente a notícia
De que alguém que você gostava morreu
Durante a manhã
E que não há nada a se fazer.

quarta-feira, 26 de março de 2014

até mais

“Te deixo hoje!
Não vou levar
Saudade nem culpa.
Vou deixar tudo contigo.

Os míseros e os afortunados
E tudo aquilo que,
quando nos faltava palavras,
Chamávamos de ‘amor’
.”

todos estão surdos, inclusive eu

Chegam a mim
Com suas carências, dependências e insolvências.
Não dou muita bola.
Quando insistem por uma resposta:
“Isso é normal”
Um olhar de falsa comiseração
Um tapinha no ombro com a força de um
“Vá com Deus!”

sexta-feira, 21 de março de 2014

encerramento com Bukowski

“vou lançar suco quente e branco
dentro de você. Não voei desde
galveston para jogar
Xadrez”.
a deusa de um metro e oitenta - Charles Bukowski 

Agora falta pouco
Pra eu pegar e
Dar o fora daqui
Ir pra qualquer lugar
Perto ou distante
Mas outro lugar com
Novas pessoas
Novas fodas
Outros bichos de carne
Feito eu

Um pouco de álcool e cigarros
E um pau duro de tesão
Pra eu dar umazinha bem dada
E não ficar satisfeito

terça-feira, 18 de março de 2014

Explicações sem-aplicações

Seu xadrez combina com meu listrado
sem que haja qualquer explicação.
Caso encontre,
não perca tempo em me contar,
dispenso esse tipo de ideia.

coisa

Quem sabe
Acreditar em tudo ou em nada
E ser apenas um sensacionista
Divagando entre xícaras de café,
Cigarros e sexo.
Mas (ah!)
(suspiros)
(reticências)
Quantas coisas podem ser embutidas num vidro de conserva

Que se torna em vão o discurso das coisas pelas coisas 

,m

Meu te amo dito
,eu te amo dito
Meu te ao dito
,,
,eu te a,o dito
Meu te amo tão dito

do desamor

Isso de me ater aos teus pensamentos
e ficar absorto, imerso neles,
tem me deixado neurótico

Gostava de quando você não gostava de mim
quando não se importava, não me queria,
e por qualquer motivo me descartaria

Me trocaria
me venderia
me daria a outro
porque dividia seu amor com outros

No desamor,
éramos livres
e o sexo não nos punha
encurralados
feito bichos trancafiados em suas peles aflitas por gozo;

o gozo constante e insuficiente
o gozo constante e sem saudade
a ejaculação repetida numa masturbação
a dois.



quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Arribação

Dias quentes de arribação:
pernilongos, baratas, besouros...
toda a sorte de infestação de insetos
tripudiam sobre o meu corpo;
dançam a revelia nos meus ouvidos.
querem meu sono,
meu sangue, 
meu suor,
o meu farelo de pão,
a minha pele morta crestada pelo sol na trama dos lençóis.

maldade silente

eles que não ferem nada
a mim me ferem

eles que não falam nada
a mim me falam

eles que não ferem e não falam nada
só a mim me ferem e falam

como se nisto
recobrassem a sua sensatez
e eu perdesse a minha

sábado, 22 de fevereiro de 2014

A manutenção do simulacro

A casa extremamente suja, caótica. Eu, extremamente desgostoso, mimado. Melhor não ter entrado. Evitado o cheiro de mofo, de coisa evitada por três meses. Odor de coisa fétida, que não se permite aos sentidos nada além do que a repulsa de si. As roupas escuras embranqueceram, as roupas claras esverdearam. Há teias de aranha dentro do guarda-roupa. O chão engordurado de maresia. Sinto arrepios apenas em pensar, que por descuido, posso pisar descalço e ter que lavar os pés novamente. Sensação de quando se pisa na merda e a sensação perdura: você está infectado. 

II

Como se na minha ausência as coisas também não se ausentassem de mim, e não se decompusessem ou mudassem de cor. 

III

O simulacro desfeito na minha ausência. 
O simulacro violado pelo tempo na minha ausência.
O meu corpo violado e decomposto.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Cueca de elefante

Estranho é fazer sexo na frente de animal doméstico, a gente fica encabulado, parece que tá ofendendo a inocência do bicho; ainda mais quando se humaniza o bicho chamando de meu filhinho, vem cá com o papai, e o animalzinho pula no seu colo todo dengoso esperando por um carinho seu. Mas logo me perdoo, já vi tanto cachorro amarrado em cadela em plena luz do dia. O mais estranho foi sentir a língua do meu animalzinho no pé enquanto meu namorado me fodia.

Ele disse:

- Oh o jeito, quer participar também! – soltou uma risada e com o pé afastou o cachorro que voltou a sua condição de voyeur.

Perdi o tesão. Não quis mais. Coisa inapropriada: sentir a língua de um animal enquanto se é fodido de bruços. Ter seu corpo recrudescido numa sensação pavorosa onde seu prazer confunde-se entre um homem e um animal, e por um momento, momento antes de tudo suplantar-se em culpa, querer ambos lhe lambendo. 

Não aprendi a sentir prazer sem culpa. Deve ser muito evoluído quem, ao baterem em sua porta responde, já atendo, tô quase gozando! E ao namorado pede: me fode com força porque tem visita esperando! 

O sexo fica tão despudorado que parece coisa de profissional, sem sentimento. Ou com muito sentimento, mas sem tabu? Fico tão na dúvida se o problema é comigo... achei que ao me assumir gay, viveria livre, pelo menos sexualmente. Esses dias, ele chegou com uma daquelas cuecas de elefante, queria me fazer uma surpresa na cama. Achei tão ridículo e feio e ultrajante que não consegui nem sorrir e levar na esportiva. Depois me arrependi. Ele sentado com aquela cueca esquisita, constrangido. O abracei em comiseração. Ele se levantou e disse que eu precisava me tratar. Me tratar? Comecei a chorar. Ele voltou ainda com aquela cueca broxante de elefante, que me instigava a repressão, e me abraçou também num gesto de comiseração. Gosto da palavra comiseração, me sinto acolhido, compreendido, e por meio dela consigo compreender e acolher.

Senti-o excitado, me cutucando as costas enquanto eu ainda choramingava. 

Ele disse:

- Quer que eu tire a cueca? – os olhos apiedados, como se o erro cometido fosse seu. 

Aos poucos foi me deitando, e o pau que simulava uma tromba já não me importava mais, ou importava menos; até me divertia quando passava a mão sobre o púbis dele com as orelhinhas de veludo. 

Penso:

- Às vezes sou repudiável, no entanto, não aprendi a amar sem culpa.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Palavrório de três versos

I

O que Narciso não entendia
Era que a superfície envidraçada
Refletia apenas uma parte de si.

II

Tal qual o destino de Narciso,
Crudelíssimo o nosso
De só nos vermos em partes.

Baby Alive visita o psicólogo

Sento. Há um copo d’água e as bonecas da minha irmã. As bonecas me olham inquisidoras, mas também silentes. Que é que tem? Falo pro bebê sentado que, cabisbaixo e com a boca resignada na mesma expressão plástica, parece distante e dissolvido em seu mundo. Mas sem dúvida, o bebê mais interessante de toda a estante, pois os outros mantêm aquela expressão de boca semiaberta com a língua como se fosse falar algo ou receber um pirulito ou outra coisa para chupar. Gosto da introspecção dos outros quando estou introspectiva, do contrário, acho todos uns metidos e arrogantes. Até as bonecas sorridentes me causam repulsa. Meu tio me disse que eu era do tipo de gente que achava que quem não está a meu favor, é contra mim. Mentiroso! Mesmo que fosse verdade, o que eu sou ou deixo de ser só interessa a mim, e toda opinião externa será suplantada antes que me tome e eu acabe chorando. Odeio o choro e por vezes o riso também, principalmente o riso do outro que me parece mais verdadeiro que o meu, que quando mostra os dentes realmente se rejubila como se atingisse alguma graça divina. Enquanto ao choro do outro, finjo ter compaixão, mas por dentro fico feliz que não é comigo, porque só eu tenho direito ao regozijo, porque sou muito especial, todo mundo diz isso. Meu pai e minha mãe sempre me disseram que eu era a princesinha deles. Muito acertadamente me ensinaram a limpar a bunda comprando uma Baby Alive no troninho, só não entendia o porquê das fraldas se ela tinha um troninho como eu. Abro um sorriso lembrando-me da minha infância feliz com meus primos. Todos sendo príncipes e princesas para seus pais. Na verdade eu só queria que me entendessem, porque eu sou diferente, mas parece que ninguém tá nem aí.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A memória inventiva III

A minha memória é igual boca de gente fofoqueira, distorce tudo. Confude realidade com fantasia, a vida da vizinha com a novela das nove. E ainda aconselha os descuidados: não te falei, ingualzinho na vida real!

A memória inventiva II

EMBELEZAM SUAS LEMBRANÇAS DE TAL FORMA
QUE UMA GALINHA SE TRANSFORMA EM ÁGUIA

A memória inventiva I

Um filhote de gato entrou na cozinha exatamente agora. Agora que estou escrevendo e preciso de inspiração, de um insight. O gato arisco entrou, e quando percebeu que eu olhava se enfiou na fresta que entremeia o freezer e a geladeira. Se eu tivesse sido rápido, sacava a câmera fotográfica do bolso e o fotografava.  Sou do tipo que mata a cobra e mostra o pau; não porque duvidariam de mim, mas porque eu duvido de mim, do que vejo, do que leio, escuto ou toco, a minha memória distorce tudo. 

sábado, 18 de janeiro de 2014

alma retorcida, gânglio inflamado

Há sei lá o que me retorcendo por dentro
Tudo se emaranhando num só nó
apertando, esticando, estrangulando
depois frouxa
me deixa na lassidão...
depois volta
aplaco a dor com uma pílula de paracetamol.
Sorrio.

Lembro-me de uma reportagem com o seguinte lead:
“Paracetamol pode ajudar pessoas com depressão”
Absolutamente que sim,
se dói na alma,
procure os gânglios da virilha,
eles estarão inflamados.

superego

É por certo que já se vão uns sete anos de deslocamentos absurdos entre o imaginário e o real, e a verdade dilui-se entre tais mundos. Esferas da loucura. Acontece que a gente envelhece e das camadas mais profundas a memória brota. O que com esforço se pensou esquecido, surge inesperadamente para inflar os pulmões de remorso e adoecer o corpo. A memória ressuscitada em sua estrutura cadavérica a nos assombrar ao percorrer e transmutar a casa num desconhecido lugar, onde pisos invertem-se em tetos e os objetos flutuam; a loucura conjurada. O desespero sentido nas coisas. Então, a gente já não sabe o que é verdade e o que é mentira, o que é memória memória, ou memória inventada. 7 anos de dúvida. 

Lembro-me de você preparando uma pizza: extrato de tomate, mussarela e orégano, forno e eu esperando ansioso por um pedaço da pizza. O cheiro de orégano queimado espraiava-se pelo apartamento. Na terceira mordida já não queria mais. Fomos pro quarto e você me beijou, e me comeu. Depois dei pro seu amigo, o que jogava vídeo game e de pau duro pediu pra eu sentar e rebolar. Dizia a você: só não deixa “ele” assim, que tem gosto ruim. Tinha vergonha, e me referia a “ele” quando pedia para não tirar a cabecinha do pau mal lavada. Divertíamo-nos muito. Ele me acordava de madrugada, trancávamo-nos no banheiro, a toalha no chão, eu de quatro e ele ajoelhado atrás de mim, ambos quietinhos pra ninguém acordar. Até que em mim tudo imergiu em pecado. Era um grande pecador! Segundo meu pai, antes uma filha puta que um filho viado. Agora eu era viado, e era tão feio ser viado, mas maior era o medo que me descobrissem viado e ninguém gostasse mais de mim. Fui ficando viadinho, quietinho... eles me pediam e eu não dava, mesmo morrendo de vontade e tendo sonhos com eles. 

Era tão novo, a repressão tão forte, e o segredo tão necessário, que hoje duvido muito da veracidade. Sempre fui tão imaginativo que tudo isso pode ser criação da minha cabeça, por um dia tê-lo visto se secando após o banho, e disto ter feito matéria para as mais promissoras fantasias sexuais.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Eu

Trégua! É o que dizem os desesperados. Levantam as orações mais escabrosas a Deus, mas por trás de tudo, estão pedindo por trégua. A merecida trégua nas entrelinhas do Pai Nosso. Será que é Deus que é tolo, ou é a gente que é mimado demais? Um ou outro tá errado, e um dos dois é o culpado. Pelo menos segundo a lei dos homens. O homem que nunca pondera nada, pois prefere o julgamento que lhe envaidece. E por isso ando tão envaidecido. Abri a boca e proferi: é você, Deus, o culpado de tudo. Você que é bondoso, mas confabula com o Diabo e deixa que eu sofra.

comunicação

Bonita é a palavra, porque tudo chama e tudo diz.
O resto é nada.

A vida sem ser dita de nada serve. 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

diálogo

Me fala:

- Se distraia!

Penso:

- Como se fosse possível!

Como se fosse possível me distrair com outra coisa que não o seu nome.

Como se fosse possível passar o dedo na borda da taça e não me surpreender visionando sobre a superfície do vinho o seu rosto.

Ou,

Controlar o pensamento súbito de que, na abertura da porta, entre você e não outro que me desaponte.

Quando apaixonado, fico deslumbrado, ganho ares de vidente.

Por uma vida mais honesta

Fiquemos sem ressentimentos porque a vida é breve. Sejamos amigos, amantes, depois desconhecidos e estranhos por não sabermos mais como compartilhar. Tenhamos uma vida honesta. 

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

,m

,
Meu tempo de reclusão
Meu te,po de reclusão
,eu tempo de reclusão
,,
,eu te,po de reclusão
Pó de reclusão

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...