domingo, 21 de setembro de 2014

o não amor

Lamentavelmente, não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes:
Às pulgas, aos percevejos e mosquitos
Eu não os posso amar.
Há neste tipo de amor
o comichão, a irritação, o zumbido
ziiiiiiiiii iiii ziii
o contágio.
O contágio que eu não desejo.
O contágio que me impregna do insuportável,
da doença, da loucura, da insônia.
O contágio de palavras na boca sobressalto:
- Você está contaminado!
Corro entre as vielas cerebrais
entre muralhas tornadas cada vez mais altas
ao grito do não

-não, eu não estou contaminado!
Para estar contaminado
eu teria que amar in-decoro
e ser como você,
como os que não são de Deus.

-não, eu não estou contaminado!
Para estar contaminado,
eu teria que me envolver
e eu nunca me envolvi.

II

Lamentavelmente, não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes:
às pulgas, aos percevejos e mosquitos
eu não os posso amar mais.
Apesar de
já os ter amado,
até me deitado e gozado à revelia;
aberto chagas com as unhas,
pinçado a broca branca do pepino
e comido o aproveitável.

III

Lamentavelmente não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes.
Há neste de tipo de amor
uma frieza dos diabos,
ou própria a dos médicos,
instrumentistas e acadêmicos intelectuais:
uma frieza de olhar sociológico e profilático,
nunca o de contágio.

IV

Lamentavelmente, não posso dar meu amor às moscas ou a outros insetos infestantes.
Lamentavelmente também, não posso dar meu amor ao ambiente limpo e sadio,
pois há, nisto tudo que implica amor,
um doar-se, um contagiar-se, um envolver-se
que eu nunca tive.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Adesivo

Desgrudou
aquilo que antes joguei água quente,
raspei com faca, esponjei com o lado mais abrasivo,
joguei detergente e soda, a cáustica, a corrosiva;
coloquei no congelador, diagnóstico de chiclete,
disse a doutora...
desgrudou,
assim do nada,
no seu tempo,
na sua manha,

sem dizer nada a ninguém.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

domingo, 10 de agosto de 2014

poema à 4 mãos

com Natalia D'Agostin
Simulacro
Simulação
Espectro
A poesia visionada na luz fragmentada: somos cacos a reluzir
(dez)pedaços multiformes de cintilante

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

de fato, a convivência

De fato a coisa mais poética que você me disse
Que “maçã boa é aquela que abelha pinga mel: a mordida é mais gostosa!”.
De fato, essa a qual mastigo e lhe oferto pedaços, um nojo!
“Esponjosa
Não açucarada
Falta mel!
Um nojo!”

(fragmento)

(...)eu só sei que viver só não consigo(...)
Só – Gustavo Galo

...) sobre o excesso e depois a ausência(... ainda que malquisto nos momentos de excesso, a falta é absolutamente indesejável... uma necessidade viciada de corpo; ainda mais o de gozar... não me aceito amando? Não o quero? Óbvio que o quero em sua completude permitida! E as loucuras permissíveis!. E agora a falta de um corpo e a boca florescida em dor; a serpente, ou outro animal peçonhento que a tudo o que toca faz perecer; ou outro pensamento mesquinho que formulado sobre o meu corpo o adoenta; o que recalcado surge, ressurge fantasmagoricamente para me perturbar à boca de miasmas de pus – a dor purulenta como a dos infestados

(... retrocesso

Talvez devesse dizer mais sobre a dor que me aflige num encorajamento protecionista; o de proteger meu corpo –
barreiras,
sacas de areia,
glóbulos brancos franceses,
Napoleão, Actimel Le LC Défense...
e disse
e o herpes serpenteando florescia por entre as flores cinematográficas: os quadros acelerados de um processo lento; de dias e estações contadas numa única tomada.


Quero perdê-lo de vista dos sentimentos ruins – de me ater girando sob o eixo da minha hipocondria cerebral.
(...)
Vontade estranha de me apaixonar. Ir a outro lugar
dar um rolê por ai
o fora daqui
viver uma novidade.

terça-feira, 29 de julho de 2014

pós mamão papaia


entre céus e terras
o inferno é que nos infesta de paisagens
verdejantes e áridas

- O céu, simulacro inatingível,
também não nos toca.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Argumento

Era a terceira vez que me visitavam. Ele e o namorado abriram a porta empunhando garrafas de vinho. Oh, que surpresa! Dissimulado, abri um sorriso e tomei suas garrafas. Coloquei algum tipo de música; Frank Sinatra? I’ve got you under my skin. Um estampido de rolha. Servi-os. Riam de algo, e logo me introduziram num novo assunto dando início a noite. Por algumas horas ficamos discutindo sobre o longo dia que cada um teve; das pessoas idiotas com quem trocaram mensagens, papéis e deveres: jogo de afazeres e desfazeres. O melhor é que é final de semana e podemos nos embebedar e fugir dos sempre cinco dias que nos atormentam! Rimos do que fora dito, mas também exclamamos um Ahhh! de admiração, soou bonito o que ele tinha dito. Estávamos amortecidos pelo vinho, o corpo e o pensamento, bem acomodados. Por que melhor? E o outro repetiu, por que melhor? e o outro, por que melhor? até brindarmos novamente. Noite de brindes. Até que foram embora.

A campainha. Oh, que surpresa! Realmente surpreso com a visita deles no outro dia. Você combinou de bebermos hoje, lembra? Vagamente me lembrei de tê-los convidado. Continuamos a noite de ontem. Como não tínhamos mais assunto, retornamos ao assunto do bar, de como havíamos nos conhecido. Rimos do improvável da situação. Éramos agora, depois de cinco encontros, amigos. Ríamos nervosamente com um fundinho de ironia que nos punha a disfarçar: eu tomava mais um trago enquanto eles se beijavam. Geralmente não se beijavam muito, mas quando se beijavam, em mim subia um ciúme à face, sentia-me constrangido e desprotegido num sorriso frouxo como se fosse possível me rejubilar pelo o amor dos dois. O modo como ele o beijava me causava ciúmes; o modo como ele respondia ao beijo me causava ciúmes. Estava apaixonado. Depois de cinco encontros eu estava apaixonado, e a bem da verdade é que não sabia por qual deles ou se pelo casal. Até que foram novamente embora.

Era domingo. E no domingo eles tiravam o dia para curtirem a preguiça. Pelo menos era o que tinham me dito. Imaginava-os curtindo a preguiça; a preguiça em cada milímetro de pele colada; as pernas coladas, entrelaçadas e dormentes; o tesão apontando ora num, ora no outro, ora em ambos e quando ambos, faziam um sexo preguiçoso e gozavam preguiçosamente. A campainha. Oh, que surpresa! Atendi a porta apenas de cueca como de costume. Eu morava sozinho e isto nos permite pequenas liberdades. Não se incomode com a gente, você está na sua casa! disse um deles quando me viu constrangido. "Sim, eu sei que estou na minha casa e vocês deveriam estar na de vocês se amando tediosamente!" Percebido o descontrole me desculpei imediatamente. Desculpas pelo o quê exatamente? Perguntou o outro. Fui grosso com vocês! -Sim, você ainda não nos convidou para entrar! Com um gesto convidativo fiz parecer que eram bem vindos.

De fato eram bem vindos e eu deveria estar enlouquecendo ou pensando alto demais. Era o nosso sexto encontro, mas agora participávamos de uma intimidade fraterna, seja lá o que isso signifique; uma intimidade fraterna a qual me permitia andar de cuecas como se eu estivesse sozinho, mas que não me permitia manifestar a minha paixão; que me permitia abraçá-los, no entanto, a qualquer sinal de endurecimento, deveria me afastar. Por que a gente não fode com os amigos? Ainda mais quando não são tão amigos?

Veio o sétimo, o oitavo, o nono... uma classificação, uma corrida de cavalos, de fórmula 1, os nossos encontros, os nosso dias em que ao menor sinal de endurecimento me afastava; ao menor sinal de ciúmes dissimulava no rosto “está tudo bem!”; ao menor sinal de pensamentos que me envolvesse de quatro com algum deles ou com ambos, embotava-me castrado. 

Existiu o encontro. A campainha. Era pra lá do sei lá que número de encontro, mas sabido era que meses havia. O vinho habitual, o assunto de sempre, o beijo de ambos disfarçando a falta de assunto. Pus-me no meio, com a língua serpenteando por entre as suas bocas que ao perceberem a minha se afastaram e me olharam... Podia sentir a taquicardia nos meus lábios. "Meu Deus, o que eles estariam pensando?" Logo abriram um sorriso e quando percebemos estávamos nus na minha cama. Existiu o gozo. Existiram vários gozos até que preguiçosamente nos mantivemos inertes por algum tempo; o da esquerda abriu a boca, achamos que você não estava afim de nós? “Oh, que surpresa!” Não exclamei, mas o meu corpo sentiu a surpresa. Só estava com medo. Puseram-se a rir o casal irônico. 

Em seguida o da direita: é que geralmente fazemos isso: conhecemos alguém por “coincidência”, ficamos amigos, insistimos nessa amizade até que o outro nos deseje numa festinha juntos, aí o abandonamos. 

- E vocês me abandonarão?

- Claro que sim, somos um casal e nos amamos muito!

Até que foram novamente embora e não existiram mais encontros.

Álvares de Azevedo

Nunca eu.
Sempre o outro usurpado.

Sou advogado
Sou cozinheiro
Sou puto
E até me arrisco no padê

Sem nunca ter advogado, dado banquetes, lucrado com sexo
ou me escondido por trás
de dunas de sal.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...