sexta-feira, 13 de julho de 2012

Palavrório de três versos

Antecipo-me no momento em que anuncia sua vinda.
A partir de então, viver é a espera aflitiva
ante a chegada e a partida do seu corpo.

sábado, 7 de julho de 2012

Palavrório de três versos

Matei um mosquito com o livro do Mauel Bandeira.
Não, isto não é falta de respeito com ele,
é a vida acontecendo enquanto leio.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

- Se soubesse que isso lhe machucava, não teria feito!

Éramos duas crianças. O que tínhamos em comum? Os bolsos cheios de quartzos rosa. 

Diariamente arrastávamo-nos pela cidade até o lago para arremessá-las na superfície e vê-las quicar. Depois, mergulhávamos para reavê-las; beijávamo-nos e nos esfregávamos do jeito que vimos, quando descíamos a escada e papai masturbava-se assistindo a um filme pornô. 

Outras vezes, atirávamos nos telhados das casas e saíamos correndo para nos esconder em algum canto e rir dos desaforos que nos praguejavam. Depois, beijávamo-nos e nos esfregávamos, e voltávamos para casa, satisfeitos de algo que fazíamos sem compreender.

Um dia, arremessei um quartzo na cabeça dela, ela pôs a mão onde estava doendo. Continuei a atirar até esvaziar os bolsos. Ela tentava se desviar chorando como um animalzinho que lhe pisam as patas, enquanto eu gargalhava como um grande sacana.  Abracei-a, beijei-a e me esfreguei nela como sempre fazia. 

Durante meses as coisas aconteceram assim até que:

- Não quero mais brincar contigo! 

Ela disse isso com a cabeça posta na fresta da porta. Logo veio sua mãe e a retirou de lá como se eu tivesse feito algo de ruim. 

Bati à porta. Cabisbaixo e com o horror da frase persistindo em minha cabeça, disse a ela:

-Eu deixo você me jogar pedras, se você quiser. Só volte a brincar comigo!

Ela não hesitou. Carregou os bolsos e me levou até um terreno baldio próximo a casa dela, aonde me jogou os quartzos que me atingiam dolorosamente a ponto de me fazer chorar, de implorar que parasse; que isto não estava certo, que não era assim que eu a amava.

- Se soubesse que isso lhe machucava, não teria feito!

Ria de mim, ria porque agora se equiparava a mim, e eu, rebaixava-me ao animalzinho das patas espezinhadas, miando de dor; miavam as feridas que pediam pela língua dela e o cuidado de suas mãos delicadas. Mas, ela virou as costas, enquanto eu ainda estava no chão, e foi embora de fato.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Quintanista

Vi quando a menina disse ao outro menino:

“Não quero mais brincar contigo!”

O menino não entendeu o porquê, cabisbaixo e com a expressão de desolamento foi para casa. Tive pena do garoto, nunca mais o vi na rua desde então. Decerto, fora para ele um abandono desleal. É como dizer: eu não te amo mais, vou embora! A mala pronta em algum canto qualquer. A saída repentina. A morte repentina. Todo um mundo criado sendo desconstruído pela fugacidade da vontade. 

Sim, porque se morre diversas vezes até a morte física. Morre-se a cada não, a cada insustentabilidade que me põe em fuga em busca de refúgio na próxima novidade que me matará novamente e novamente. E tudo fica mal resolvido nessa vida, mesmo a certeza de “eu não te amo mais, vou embora” é apenas uma meia certeza.

Imagino o que a menina fez com ele quando disse isso, quantas coisas passaram por sua mente e quantas culpas lhe vieram dizer que sempre esteve fazendo coisas que a desagradavam. Até mesmo os sorrisos que fez surgir na face dela, vêm lhe cobrar o infortúnio:

-Então todos os risos não eram para mim?

Ah, porque há sempre dívidas tolas que nunca poderão ser pagas, e o tempo está aí, quando não consegue quitá-las, arrefece-as na lembrança.

sábado, 19 de maio de 2012

A herança dos trejeitos

Mais do que isto que me diz,
aquilo que me reparte longe das tuas palavras:
a liberdade coesa que existia
em mim antes do encontro.

- Eu tinha uma liberdade que entendia antes de ti.

Busco-me no espelho,
mas o corpo está fragmentado, e em cada parte que fora lançado pelas ruas,
pedaços de memórias caóticas impossíveis de jungir.

Quero tudo de novo,
os meus 18 anos aos 22
sem remorsos,
sem recalques,
sem teus trejeitos
que emergem em mim
no modo que agora sorrio
e me lavo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

atenção

Entenda minha sensibilidade,
entenda meu choro.
Não é à toa o cigarro acesso na mão esquerda,
o vinho servido, o livro de poemas aberto sobre a mesa.

Entenda minha humanidade,
a minha necessidade de te ler um poema,
de provocar-te estas palavras,
estes desamparos de afeto.

Quando decidi escrever este poema,
tinha os olhos feridos de sal;
o corpo fragmentado e inútil e sofrido
por tanta beleza sendo lançada fora.

(tantas angústias que poderiam ser evitadas,
não fossem as mesquinharias e a falta de vontade
dos homens.)

Entenda minha sensibilidade.
Consola-me, não porque estou fraco, porque ninguém é fraco,
mas porque teu abraço e tuas palavras
restituem minha humanidade.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Fragmento

Então, repito o poema até que não me atinja mais pela simples necessidade de ultrapassá-lo, como se ultrapassa um obstáculo...
porque palavras são muito mais que simples obstáculos, são dragões chineses serpenteando pelas ruas de Pequim em dias de adoração. Todos param, querem-nos destruídos, ardidos em fogo. Empunham tochas intumescidas de querosene, tomam coragem para atear fogo, mas recuam e adoram. Inventam estratagemas, desejam um novo tempo, redefinem os versos, e a memória do poema se firma para longe do esquecimento.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Homossexuais, viadinhos, travestis, facebook e a porra da liberdade de expressão

Que consistência tem o argumento desse tipo de imagem?
É gerado por quem: homossexuais ou heterossexuais?
Qual o compromisso com o ser humano?


No livro A Casa dos Budas Ditosos de João Ubaldo Ribeiro, sua personagem principal expõe sobre as facilidades que só a atualidade pode nos disponibilizar: novas tecnologias de informação; gadgets que nos fazem super-humanos como um ciborgue; possibilidade de convívio globalizado... para no fim, nos descobrirmos como simples humanos repletos de preconceitos e hipocrisias que não nos deixam combater o “atraso”. 

Somos muito atrasados. Que diferença há entre um homossexual, um viadinho e um travesti? Não vejo nenhuma, ou vejo? Claro que vejo: o modo como escolheram viver suas sexualidades, se é que é possível definir como uma escolha, no entanto isto não é propriamente positivo ou negativo. Mas a pergunta que faço é: o que importa tudo isso? Em que momento um homossexual, um viadinho ou um travesti são diferentes essencialmente falando? E por que a necessidade de forjarmos um personagem másculo pré-histórico quando somos apenas seres humanos querendo compartilhar da vida e seguir em frente? 

Os "machões" frequentam a academia, tomam suplementos, ficam sarados, depilam o cuzinho, e à noite procuram sexo fácil com menininhos afeminados ou mesmo travestis, mas enchem a boca para dizer que desaprovam homossexuais “bandeirosos”. No facebook compartilham imagens e pensamentos tão medíocres que só surtem efeito aos mais tolos, porque acham que minimizarão o preconceito que sofrem, subjugando outros comportamentos diferentes dos seus. 

Que mundo é este que estamos formando? A quem estamos querendo convencer? E por que teimamos em dizer aos outros que suas necessidades são inadequadas, e que deveriam seguir por outro caminho para serem melhores aceitos? 

Quanto mais nos instruímos, menos estamos nos tornando melhores como humanos; geramos mais preconceitos e hipocrisias em pró de uma sociedade Kitsch, vazia e atrasada. 

Devemos, sim, combater o atraso, é uma dívida individual para com o todo. Não é questão de tomar partido do que é certo ou errado, é antes uma maneira de conquistarmos respeito como seres humanos e vivermos com ética.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Adaptação

Algo de muito estranho acontecia aos nascituros daquela cidade: quando suas mães davam à luz, seus bebês nasciam sem o braço direito. A população a princípio não se preocupou porque eram casos esparsos, como um boato vindo de longe assumido de “compaixão” e de “Deus me livre”. Foram até visitar a primeira criança sem braço, o filho de Cláudia. 

- Cláudia do céu, como foi acontecer isso? 

Cláudia lamentava por si mesma e por seu filho, pois em decorrência disso, seu marido tinha os abandonado. 

- Deve ser essa sua genética! 

Mas passaram-se quatro anos, e a cidadezinha pequena entrou em polvorosa quando viu suas salas de aula repletas de crianças malformadas, e decidiram que poriam fim à situação. 

Reuniram-se no centro comunitário; falavam ao mesmo tempo, seus corações inflamados saltavam à boca, e suas mentes não comandavam mais: queriam a morte de Cláudia e de seu filho. 

Mataram Cláudia, seu filho, e puseram-se a cruzar novamente. E as crianças sem braços continuavam a nascer. Reuniram-se, os saudáveis, e três dias depois, cientistas, sociólogos e espiritualistas estavam na cidade colhendo amostras, levantando dados, aspergindo bênçãos de cura. 

Os cientistas disseram: 

- Devem-se castrar crianças e pais antes do pior! 

Os sociólogos: 

- Fazemos a cruza com estrangeiros antes do pior! 

Os espiritualistas: 

- Não está mais em nossas mãos! 

Assim, dividiram a cidade em dois grupos: o primeiro grupo de casais que nunca tiveram filhos aguardariam os resultados; o segundo grupo de casais que tiveram filhos com o problema seriam subdivididos numa metade castrada e outra posta em cruza com estrangeiros. 

Mas nada adiantou, a não ser a castração. Os que cruzaram com estrangeiros tiveram filhos sem o braço esquerdo ao invés do direito. A cidade deu-se por vencida. Alguns se sentindo culpados pelas atrocidades cometidas, substituíram a estátua de prefeito pela a de Cláudia e seu filho de mãos dadas. E todo ano homenageavam-nos com flores no dia em que foram assassinados. Os que não se sentiram culpados fugiram ou foram mortos por manterem seus preconceitos. 

Mas dizem até, que alguns se dirigiam à Cláudia pedindo um filho de dois braços. Certo dia ela atendeu, virou uma espécie de santa, causado estranhamento, tinha feito milagre.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...