sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Fetichismo


Quão profano estarei sendo ao confessar que fiquei excitado ao vê-lo sentado à mesa com os braços despojados sobre ela?
Nada. Nada profano.
Profano foi ficar excitado com o escapulário contornando o seu pescoço.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Diálogo


Você: E tu não és?
Eu: Sou. Mas não quero ser aquilo o que os outros dizem que eu sou.
Você: Melhor é ser outro

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Documentos-projeto


Que o quarto seja materialização do caos emocional. O resto pode ser como deve ser em todas as casas, obedecendo às triangulações de serviço; a sala para receber amigos, a cozinha para se cozinhar, o banheiro inglês pra mascarar a dor de barriga abrupta acometida. Mas o quarto deverá ser o mais instigante possível: Luzes coloridas-temperamentais, clarabóias lunares, produtos de uma imaginação fértil de sonhos e fetiches. Que o quarto seja o centro da casa, e que todos, caso visitem seus sonhos, tenham que transpassá-lo para pegar um copo de leite na geladeira.

Para o fluxo pensado, haverá portas limitando os quadrantes dos outros ambientes, ou ligados por coisas absurdas, como uma figura de um rabanete, ou uma máquina de lavar roupa. Por tantas associações, acabe trafegando entre o puramente cinéfilo-teatral aonde muito bem poderiam contracenar Louis Garrel, Natalie Portman ou Harrison Ford, o matador de andróides na cidade ultra-moderna de Blade Runner. Que seja equipado com televisões, um super som que toque suas músicas favoritas, como num bar de blues. Mas que teu quarto seja nada menos que inventivo, e moldável ao teu gosto, como uma engenhoca útil às faculdades mentais de criação. Que teu quarto seja nada menos que teu sonho.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Uma visão sobre a psicanálise


Eu te amo tanto, mas tanto, tanto. Te amo com a força de um pênis ereto; de uma vagina molhada. Te amo ainda mais quando me masturbo, e como numa sessão espírita, veicula-me teu espírito etéreo no meu fazendo-me gozar nos ladrilhos do banheiro.

Eu te amo de forma imoral, de forma romanceada e restrita como amo a minha mãe. Lembra quando te chamei de “mãe” ao invés de “amor”? Acho que não percebeu, porque na realidade a palavra “amor” veio vinculada à “mãe”, escapulindo num “amorãe”. Senti-me tão envergonhado por saber da raiz do meu amor, que para suplantá-lo, coloquei sua estátua no meio da sala e devotamente passei a mão no seu pênis. O que não adiantou; eu continuei nesse amor materno improfícuo que borrava tua imagem.

Disse-me:

- eu sou tão parecido com seu pai...
só quero seu bem, filho...
quero me orgulhar do filho que tenho.

Eu:
 
- Oh pai, e sabe você que também quero te dar orgulho? Um orgulho que não desmereça a nossa hereditariedade máscula, que não destitua nossa função de fecundar, de dar vida; de manter o clã renovado, mas repetindo os problemas habituais do círculo, porque o habitual é mais fácil de suportar.

(...)

Sempre é melhor aquilo que eu posso suportar, pai. Engraçado é que quando me dirigi a ti agora, simbolicamente prostrei-me como uma criança ajoelhada ao lado da cama pedindo proteção ao anjo da guarda, pois seu amor adquirira o peso dos céus.

Eu:

- não te amo mais! (pai)
- não te amo mais! (mãe)
- não te amo mais! (você)

domingo, 9 de outubro de 2011

Quero um problema com seu nome


Quando eu afirmei: escolho a lamentação! Afirmei também tantas outras coisas. Disse, escolho a lamentação, assim como escolho o desamor, o desassossego, a minha desordem. Eu afirmei escolho a lamentação ao mesmo instante que inundado por sua paixão sagitariana, eu escolhi o ódio como eixo de roda, giro de vida, força motriz retórica das quedas d’água.

Porque o que mais nos aproximava era aquilo que detestávamos um no outro, e fazia-nos travar batalhas dialéticas que só se resolviam no sexo. Ainda assim, havia uma competição inata de quem seria ativo ou passivo, então optávamos pelo troca-troca para que ninguém saísse perdendo. O grande problema é que no fim de cada luta, saíamos conscientes de uma ruptura próxima.

Então a ruptura catártica.

A ruptura que me encaminharia pra esta vida careta, mas promissora que levo. Sem cigarros, nem alcoóis, gorduras trans e saturadas, exercícios físicos regulares, dois litros de água e sorriso branco. Tudo o que você me pediu e naquele momento não me fazia sentido... agora só me faz sentido porque tais hábitos configuram-se numa vingança sutil de ostentar a minha liberdade.

(...)

A minha liberdade é que não fazia sentido contigo, tal como não me faz sentido explicar qualquer coisa agora que você não está por perto para me resolver sexualmente... e talvez um dia, eu entenda, - entendimento fora da filosofia, da semiótica, da porra da psicologia -, o porquê de sentir saudade daquilo que na maior parte do tempo quis que estivesse ausente.

sábado, 8 de outubro de 2011

Padrão de amor


A primeira coisa que disse ao meu novo namorado foi:
Tu és tão parecido com ele?
Até no jeito de sentar,
De caminhar meio torto
E de pousar os talheres
Dando pausas entre as mastigadas.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O poema que eu não quero

O poema que eu não quero
E sempre me vem
Quando tu
Meu objeto não está por perto.

O poema carência
De me esfregar em algo
Como um gato
Enrodilhado.

O poema atrevido
E reconfortante
50% com seus pequenos prazeres.

100%
Prazer de verdade
Só o sexo contigo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Ritual

Disseram-me: tu segues a estrela de um cão. Na hora não entendi muito bem, e não entendo até hoje por qual motivo vincularam-me tal pensamento.

Era noite como dentro das trevas lúdicas do medo. O asfalto reluzia alguma luz que não se sabia de onde, mas por algum instante eu quis saber. As casas estavam com suas luzes apagadas, os postes também, e não passou nenhum carro, ou algum gato de olhos de lanterna.

Continuei a caminhar atemorizado, ou sereno da passagem como estavam os três reis magos? Porque também levava presentes como simbologia de adoração; afinal, era essa a última condição da minha vida: adorar alguma coisa.

Segui pela estrada que se abria, e vi o traseiro de um cão negro balançando a cola seguindo no mesmo passo que eu. Quis agilizar tentando alcançá-lo, e perguntar a ele por que haviam me dado a mesma sorte que a dele? Nós que não tínhamos nada em comum, filhos de outros pais, de espécies diferentes.

Que tínhamos em comum? É mais difícil achar afinidades que diferenças? Perguntei à estrela, mas quem me respondeu foi a cigana abusada que puxou minha mão:

- tu segues o destino de um cão.
Toma este quartzo rosa
e lança no primeiro poço que te aparecer pelo caminho.

Fechei a mão segurando o quartzo, e mantive o passo. Notei que perdera de vista o cão negro que persegui a noite toda sob a luz da estrela, que agora não era mais estrela. Sem o que seguir, senti o desespero honesto dos crentes quando Deus falha com eles; depois a esperança inútil da cura; depois a própria morte.

Toma este quartzo de cristal rosa e lança no primeiro poço que te aparecer pelo caminho, disse a cigana. E na minha cabeça ela ressurgiu novamente: só porque mudou de tarefa, não significa que mudou o teu destino.

Coloquei-me a correr em busca do poço,
eu desejei ver um poço
eu desejei várias vezes que fosse um poço,
mas no fim da rua
o que se abriu sob meus pés foi um penhasco,
o penhasco dantesco,
o inferno dantesco que eu não acreditava.

-Não jogarei a pedra no teu petróleo, quiromante,
pois é aflitivo ver o negro
ferindo o rosa.
É como estar à beira de um vulcão
e nele me lançar
sentindo a lava me dissipar de mim.

-Volta pro teu passado, notívago.

Não, eu não queria o meu passado de volta.

Estendi a mão que segurava o quartzo. Abri de uma só vez para evitar me arrepender. E o que caiu no penhasco, não era mais uma pedra, era o filhote de um cão negro que lentamente rolava no ar, ora com patas pra cima, ora pra baixo...

segues a sorte de um cão negro...
dei um passo para frente rolando no ar,
ora com as patas pra baixo
ora pra cima;
quando pra cima,
era
estrela
reconstituída.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...