sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Mortaes


Nem quero seguir depois disso. Vou largar as ideias infundadas de revoluções para me tornar um pouco menos a cada dia. Tornar-me diminuto e acuado como a um animalzinho faminto. Ser outra coisa então que não precise ser explicado, nem dito nem ouvido. Ser um novo surdo mudo, ser um novo debilitado e debilitante, o embotado e embotante, ser coagido e coator.

Diz-me:

- Eu não como laranja, por que você come?

Eu:

Deixo de comer laranjas
e te agrado
e você me agrada
Ninguém de bom grado.
E se um dia nos pensamos vivos
...
Tornamo-nos meros mortais.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Palavrório de três versos

quem não se afoga
vira careta
vira nossos pais

erastas e eromenos

é o fato de eu pensar muito que me torna frígido e mole. Sim, querido, não é problema no corpo, é na cabeça. O pensamento vem assim, do nada, e me toma de um jeito que nem sei como dar fim. Amolece, entende? Fica tudo molinho, molinho. Bate na porta e não entra. Minha amiga disse que sou um socrático. Sim, meu amor, depois da sua explicação, defini-me como um socrático-brocha. Tem espaço para isso na filosofia contemporânea? É claro que tem, e não. Não tem. O que tem é viagra e cyalis e pó da bruxa no círculo da fertilidade. Para todos os problemas do mundo uma pílula no coração. Ou um vinho quente no coração, cantarolava você, Secos e Molhados, enquanto tomava a taça na mão como microfone. Coisas do seu mundo mais temperado que o meu. 

seus pensamentos encordoados numa composição linear.
o meu,
dodecafônico e sincopado e progressivo
a cabeça num roque-roque roedura de rato
a loucura de Ana Clara
uma poesia miserável
e
brocha

 

em estado de aflição

Sob enlevado sentimento da incerteza, a cabeça atordoa-se.
Pior que a incerteza, só a própria certeza do suposto pior.
E o pior é uma manta de carne intoxicada.
Sonhar, depois de tudo, ainda será necessário?
O corpo e a sua sobrevida sem vida.
Adiantarão os ponteiros da morte,
E todos os meus desejos se darão por terra.

A verdade fragmentada

Inspirado em Jostein Gaarder in Através do Espelho
 
Deus me cobra verdades por todos os lados porque é onipresente. Onipresente não no sentido de um ser mitológico enorme de olhos vigilantes açabarcando a Terra e todos os seus minúsculos viventes, mas sim, onipresente porque se fragmenta no corpo daqueles que me cercam e usa dos seus olhos para me vigiar. Se lhe falto com a verdade, na esquina me espera outro fragmento que a extrai a fórceps, e a multiplica pela boca com outros fragmentos.

É que a verdade tem que nascer
E se estilhaçar e se reunir a outros fragmentos.
Mais do que o homem,
é
Deus que busca a unidade.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

um pouco cor anos 90


A cadeira de madeira.

O cachecol envolto no pescoço do encosto da cadeira.

O espírito no passado.

Corpo no presente.

Espírito e corpo desencontrados.

 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

romantismo anacrônico

Pensei em te agarrar pelas pernas,
ou segurá-lo pelos cabelos,
pelas mãos;
em por as minhas mãos sobre a tua cintura
e te cravar as unhas para não deixá-lo partir.
Mas recobrei a sensatez a tempo
fingindo modismos de compreensão.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

ZRO HRA

Por isso a demora no reconhecimento da face: a sua distância prolongada. Veio até mim e se foi como num rapto. 

A tua face igual, mas não reconhecível. Tentei recordar como te chamava antigamente, mas já me é impossível. Cruel esquecimento. E não é proposital, é que a vida me escapa.

A vida me escapa ou me prende de uma vez: um olhar distante tocando os muros de pedra enquanto mastigo como se não fosse sólido o que como e engulo. Não sei aproveitar o que me é dado, tampouco aproveito o que conquisto. 

Fiquei dias sem fumar, dias sem beber, dias de zero hora. As horas meditativas em que se sente cada vagaroso minuto e não se sente absolutamente nada. Chorei, dancei, ri! Falei nada, falei tudo, mas nada abrandou, nada arrefeceu!

Surge a ideia de fazer muito. Algo que ocupe todo o meu tempo, para que eu me sirva das horas. Ler? Escrever? Desenhar? Trabalhar? Aprender... vou me formar num verbo infinitivo, nada mais.

17/junho - a prece


Quanto trabalho,
A que todos nos dispomos
A enfrentar diariamente.
Corremos para todos os lados
Pedindo o descanso que não virá.

Virá?

Férias!
As aguardo como se pudesse
Transformar-me em outro.
Peço para ser outro esta noite antes de dormir,
E que tudo seja bem feito.
E que dê tempo.

Por quê?

Porque a alegria é tão grande,
e sentir apenas não basta,
que faz-se preciso dizer...

Nada me embrutece

O coração arrefecido?!!
Meu Deus, eu poderia por pontos de exclamação e interrogação infinitos... nunca chegaria a uma resposta. Quantas coisas cabem num milésimo de qualquer coisa? ...
Então algo desenozou minhas mágoas

(foi sua presença?),
com seu jeito complicado que entendi como singelo de me fazer simples.
Bom é ser simples.
E esquecer que toda a minha vida está contida nas ranhuras da unha do dedão do pé.
Toda a minha vida visível na superfície da unha.

(foi sua presença que me fez ver?)
Enquanto isto e aqui,
Nada mais me dói, nem me alegra.
Permaneço sereno,
Nada me embrutece.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...