terça-feira, 17 de setembro de 2013

as coisas alheias

Tanta mágoa e rancor coração! Adélia diria, que mal de chagas te comeu coração? Assim mesmo? Pergunto à Adélia?! Eu sei que depois de 30 anos de casamento, seu coração já repartido não reconhece outro caminho senão o caminho do amor que viveu, e agora lhe deixou. 

Você me diz:

- O meu controle,
vem do pulso firme da vontade dos outros.

Parece uma poetisa. Rio. Não porque não seja capaz de ser uma poetisa de peso, mas porque é burra, e só sabe falar poesia quando sofre. Mas queria você de volta, fazendo bolo enfeitado, vivendo sua vida, a sua família como antes. Fazia-me tão bem, o seu bolo repartido, dando de comer a nós todos, enquanto falávamos sobre coisas alheias.

Ai, as coisas alheias! Meu amor, volte a ser alheia conosco, volte a ser alheia como nós, com aquele seu cigarro e sua boca sempre aberta pronta pra mandar o rei tomar no cu.

de profundis II

Querem-me todos sem vaidades e com o amor comedido dos anjos, o que sinceramente não me interessa. Nunca tive a aptidão dos santos, nem o simbólico pão e vinho servidos no monastério. A minha mesa sempre foi farta: mel refringente à luz solar, mel escorrendo no canto dos lábios, mel a me molestar na textura dos abusos. Tenho gosto pelo que me molesta, pelo o que sem permissão me arromba e destrói. Depois me recompõe, peça por peça numa nova conformação, conferindo novo sentido ao que eu nunca soube direcionar, e provavelmente nunca saberei. Apenas uma farsa, pois estou sempre fora do racional, resolvendo a minha vida na urgência do sistema excretor. Ao vício hipocondríaco de manter-me num fluxo para evitar constipações. Às vezes tenho vontade de parar.

no tempo dos homens, no tempo de Deus

Pensei: quero viver no tempo de Deus! Então fiquei comovido e doído. Imaginei diversas situações para usar o pensamento tido, e o vi sentado no sofá chorando por um motivo alheio. Sentei ao seu lado e disse: tudo passa, não vivemos no tempo de Deus. Ele me olhou ainda encharcado, não respondeu. Continuou encharcado. O que eu queria mesmo era consolar, macerar a ferida dele com açúcar e afeto.

Era noite então, dormimos por nada.

Só no sonho pode-se viver no tempo de Deus, lá onde os segundos valem a idade da criação.

Entro na sala, e lá está você na mesma posição, rindo com as piadas do programa de televisão. Gosto tanto de vê-lo se divertindo... No tempo de Deus, só há tempo para se divertir! Ele fecha o sorriso, e volta sua atenção ao programa. Devo ser maluco por essas coisas! Ora querer viver no tempo de Deus, ser eterno e feliz; deve cansar ser feliz eternamente e estar consciente disso. Melhor é ser louco para viver no tempo de Deus.

                 II
Gosto do efêmero, o que Deus não entende, mas permite. O cigarro tragado em cinco minutos, a tapa e a sua ardência fugaz; só não é efêmero quando é no rosto e com intenção de machucar, como a tapa que você me deu dia desses num restaurante. Não sou tua puta. E a tapa ardeu no tempo de Deus, e agora vive no meu inconsciente latejando, servindo como pretexto para o meu choro fácil. 
Até minutos atrás, pulávamos as poças d’água e nos divertíamos com isso. Agora já é lembrança, e se recontada muitas vezes, perde-se a veracidade, porque ganha ares de ficção, e vira tudo mentira ou se dilui em cada palavra: as poças, um guarda-chuva, malas e o tempo de Deus.


                III
E o tempo de Deus é diferente do meu tempo? Pergunta de resposta tão óbvia. Se eu pergunto é porque realmente preciso entender isso, porque realmente dei com a testa nela, e ela não era permeável.

                               

sábado, 20 de julho de 2013

Uma forma para mim

II

Constato que sempre vi Otávio por fora, como a um objeto que se permite ser olhado e analisado em todas as suas especificidades; que se permite correrem-lhe os dedos por cada ranhura, despudorado de ser comprado por motivos errados. Muito mais fácil o modo que entendo Otávio, e também, o único jeito que aprendi a vê-lo: deslumbrada! Com os olhos sempre enuviados e comovidos diante dele, do seu escuríssimo pelo do peito sendo raspado em frente ao espelho, a torneira semiaberta levando pelo e espuma.  

Otávio nunca mudou sua forma para ser o que desejava, sempre foi homem em toda sua capacidade de amar, enquanto eu mutilei-me diversas vezes para ser compatível nos gestos e nos gostos, para ser refinada, para ser amável e acolhida.

Uma forma para mim

I

Uma forma para mim, antes ou depois do amor? Como me contar, me formatar, e ser diante dos outros um avatar sorridente, voando ora por territórios áridos, ora por paisagens verdejantes e transbordantes de vida? “Só falar por falar e ir dizendo por dizer”, é o que falaria minha mãe. “Não se preocupe, que a vida dá um jeito de te contar; de ir te tecendo e destecendo, de ir te contradizendo e te chamando de mentiroso na frente de todos!”. Verdade mãezinha, tão verdade que a forma que me conto, é a última forma, a forma efêmera em que Otávio me moldou.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Uma forma para Otávio

VIII

Na realidade, tenho inveja do passado de Otávio, e do presente e do seu futuro. Ando tão insegura, que se pudesse lhe cortava o pênis, e costurava sua boca para não ouvir mais ele falar das coisas que não dizem respeito a mim. Sinto-me tão egoísta às vezes... mas sei que em algum lugar do mundo, como numa rede de coincidências, alguém remói a mesma mágoa sem dar à face a expressão da dor sentida. Se lhe perguntam, “o que houve?”, responde com um sorriso falsificado de quem por nada passa.

É que Otávio tem me feito sofrer, e muito. Se eu desfaleço, não me junta mais nos braços, não me sustenta em seus músculos, seu amor por mim tem se tornado cruel e feio, o seu olhar, impiedoso como o brilho esmeraldino da mosca que pousa para contaminar o mais belo doce confeitado. Desconfio que Otávio me traia.

 

Uma forma para Otávio

VII

Por onde trilharam os pés de Otávio, antes de me conhecer? As queloides em seus calcanhares feitas pelo sapato novo mal adaptado ao seu jeito de andar acompanham-no ainda. Tenho vontade de beijá-las e embebê-las com minha saliva matinal, esperando que sumam num gesto de comiseração. Tenho comigo que é injusto Otávio ter adquirido marcas tão pesadas. É como as linhas que surgem na palma da mão, interceptando a linha da vida, o monte de Vênus, destituindo de força a felicidade que lhe fora profetizado ainda no berço.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Uma forma para Otávio

Fico sensibilizada diante de Otávio, às vezes choro ou solto risos despropositais; parecem grunhidos de algum animal distante na floresta. Como uma gata manhosa, refestelo-me entre suas pernas; ele coloca a mão por debaixo da mesa, acaricia-me a cabeça enquanto continua lendo o jornal. Ele me observa. Depois, troca a água e põe mais ração. Fico saciada, mas perpetuo meu miado. Encho os ouvidos do Otávio com o meu intermitente miado para chamar sua atenção. Ele me cobra: o que foi minha gatinha? Novamente: eu já te dei comida e água! Então: “Suma daqui!”. Saio com meu rabinho entre as pernas. Deito em outro lugar.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

(Medo que me ouça e tudo se transforme numa verborragia inútil.).

Boa parte disso deve-se a uma infecção bacteriana na garganta. “Placas enormes, deveria ver...” ou enfiar o dedo para sentir! “Parecem-se com o exército da paz, só que trabalhando para me derrubar...” filhas da puta!

Outra parte é o que ante o lábio cerrado me sabota.
Todo meu pensamento esbarra no teu nome,
que é a minha prece
na minha mente sibilada na devoção
que me compraz.

- A paixão é a que grita
O amor só precisa de silêncio.

Então, os estágios do beijo:

Volto ao
meu lábio cerrado ante o seu entreaberto
teu perscrutado olhar ante o meu buliçoso 
a tua aproximação decidida ante a minha espera lânguida

teu nome premente entre as minhas coxas
também é o meu castigo no teu protelar insistente
de só me dar amor em conta-gotas

grito:

- se não por amor, por piedade!
 

domingo, 30 de junho de 2013

Paráfrase W.

- Ao vencedor, tuas orelhas vermelhas e quentes!

Poema

Escondi-me atrás da prece,
Como atrás de um escudo
Que se empunha diante e contra
A espada reluzente;
Como atrás de uma estante
Que se empurra para dificultar
A entrada do psicopata num filme de
(suspense).
A minha terceira perna brota novamente,
Forte o suficiente para derrubar paredes a pontapés.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...