quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O resto de Drummond


(Primeira parceria poética entre Brunna Cortês e Rafael Geremias)

É que a gente acaba ficando com algum resto...
Eu fico não com os restos de saudade
Mas com os atos-restos que se tornam meus.
Impossível não ser assim:
A gente é muitos em um só
E um só em muitos.

Teu amor é o nada que se torna muito


Teu amor é o nada que se torna muito.
Ato tímido na rispidez fóbica
ao toque dos orifícios do corpo.

Pudico,
diz que prefere com a luz apagada.

Satírico,
gosto de constrangê-lo
com a luz acesa.

Teu amor é o nada que se torna muito


Estou apaixonado pelo nada que você me oferece. Pela falta da palavra afetuosa, do abraço delicado e confortante. De ti, senão a falta, o gesto comedido. A companhia pela companhia. Digestão do tempo. Eu que tantas vezes amei o excesso dos outros, e o que disso poderia extrair.


Então o meu amor freqüentou bares, festas, galerias de arte, cinemas, praças arborizadas, restaurantes, motéis, hotéis, correu o mundo atrás de aventuras inconseqüentes, e quis sempre o choro infantil ou a alegria falastrona. Quis ocupar todos os vazios. Será que precisava disso mais do que agora? Óbvio que não. Esse “precisar indefinido” deixei para mais tarde, junto com a efusividade do sexo, e as discussões calorosas, que outro, não você, me oferecerá num estalar de dedos.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Padrão de amor


És meu.
Disse-lhe cravando os olhos nos olhos dele.

Olhos meus: garras
Olhos teus: presa.

És tu meu bibelô,
És tu coisa de outra coisa que já tive,
Reavivamento da lembrança,
Ou outro corpo com a mesma lembrança?
Ah,
Que a tua vida pertencida a mim,
é vida adquirida.

Derivação
Ah,
que a tua vida pertencida a mim,
é a tua própria vida adquirida.
 

sábado, 29 de outubro de 2011

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ritual


Quem me fez mal, partiu há muito tempo. Enfiou suas coisas nos bolsos, pegou o ônibus e não voltou mais. Eu disse novamente: quem me fez mal, partiu há muito tempo. Aí o abracei, e fui abraçado também. Fomos adormecendo, protegendo um ao outro dos espíritos traquinas que até ontem nos assolavam. Durante toda a noite, atravessamos cenários tempestuosos, desérticos, alagadiços, espaços vazios de qualquer coisa .

- Estou com medo, mesmo sabendo que preciso desse vazio.

Respondi-lhe cantando:

- like you always say
Safe travels,
Don’t die,
Don’t die…

Estávamos numa ponte sobre o nada, a mesma ponte que passei há alguns dias, e confuso por não entender meu destino, acabei lançando abaixo um cão negro. Mas agora, eu segurava a sua mão, suada pelo medo de não saber por qual caminho o levava, e se deveria manter-se confiante em mim.

Peguei sua mão, coloquei-a nos meus lábios para que sentisse a vibração das palavras e, conseqüentemente, seu corpo entrasse na freqüência do meu corpo:

- Hei, sou eu... Quem te fez mal, partiu há muito tempo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A minha alegria


Minha tristeza,
eu guardo com mais cuidado
no cenho franzido.
Ou choro escondido,
porque ninguém tem nada a ver
com as minhas lágrimas.

Agora,
minha alegria,
eu deposito nos dentes,
com os lábios em regalo
apontando
(sem medo das possíveis verrugas)
a estrela que me fez sorrir hoje.

à noite!


Esta noite, no meu sonho, cobriram o meu corpo com argila branca e me carregaram da sala de massagem para a área da casa. Deixaram-me lá secando. Quando o sol se pôs, vieram retirar a casca seca. Surpresa e aflição minha: cada parte de argila retirada, a pele vinha grudada, e o que vi não foram músculo, gordura e osso, o que vi foram claras e gemas de ovos.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...