sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Marta

Inverno de alguma data não muito precisa. Marta levanta-se com o corpo dolorido por ter dormido em posição fetal, por isso mais cansada do que quando se deitou à noite anterior. Já na cozinha, Marta reacende seu cigarro que mantém escondido na gaveta de talheres, há dois anos que ela adquiriu este hábito de fumar meio à noite e meio de manhã. Toma um gole de guaraná que a esperta, e segue rotina. 

Marta possuía apenas vinte e dois anos, fumava há dez; começou por que achava elegante aquelas mulheres dos filmes. Fez faculdade de música, e era bem sucedida, tocava na orquestra estadual. Não era casada e nem tinha filhos. Morava sozinha, sem nem ao menos um gato para fazer-lhe companhia, e sua vida não era insuportável por todas essas suas não personagens adquiridas pelo tempo, quem sabe isso tivesse algum papel secundário, todavia o que tornava sua vida uma merda era aquela monotonia monocromática que ela tinha que aturar pela manhã. 

Existe um breve momento, breve, mas que perdura o tempo exato para que tu percebas que deves procurar um novo caminho, revolucionário em essência, que o leve para mundos desconhecidos, românticos, colorido de vermelho de boca de menina nova e sensual ou de vermelho vestido-para-matar. 

Marta abre a gaveta de seu guarda-roupa para pegar sua luva, o cheiro de naftalina, de tempo morto conservado a formol, entra por sua narina e a desestabiliza, por reflexo segura-se para não cair, porém, decide cair, solta em queda livre, pronta para se permitir existir. Momento impasse, passo ou me passa? Opta por passar. 

Ela põe seu violão sobre as costas e abandona o violino, maldito instrumento que a conquistou pela estabilidade financeira em uma orquestra. Leva também algumas roupas, pouco dinheiro, iria ser artista de rua, viajar e viajar sem rumo certo, andarilho de praça mostrando o melhor que tem pelo o mínimo que os transeuntes têm a oferecer, quem sabe um prato de comida, uma parada repentina para ouvir o que ela tinha para tocar e cantar, isso já era maravilhoso, ter a atenção de alguém nesse mundo que tem pressa de tudo. 

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Parágrafo

Parágrafo
Sou dado as coisas assim prontas, como quando uma coisa alude a outra e tudo flui em harmonia; um futuro rodeado na ciranda que deita rodas gigantes em carrosséis, assegurando-me giros sem alturas. As coisas assim prontas surgem do meu anexionismo: o que me é compreensível é porque também me compreende, o resto ignoro; os que insistem, construo divisas e isolo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Para controlar o tempo

Tudo se constrói em cima do tempo,
as horas vagueiam e continuam absolutas
os carros trafegam sob claridade ou escuridão
ora sim ora não numa verdadeira matemática;
escrever é uma forma inútil de ir contra,
vencer-lhe,
só através do sono e
no entanto ele não vem.

Fosse-me concedido algo,
pediria o eterno cansaço
para dormir eternamente,
perdi o gosto pelas coisas que não são novidades
e por não tê-las,
mantenho-me  inerte.

Porque o tempo amiúde
fez que o homem percebesse que não existe
auge em nenhuma fase da vida,
a todo momento se morre, se perde,
o que estava aqui antes
o tempo deu um jeito de inibir.

*
Será preciso, para controlá-lo,
pressentir a hora exata.
O problema é que a hora exata
é também  o limite,
ou se avança ou se retrocede
e saber em qual das direções se ganha ou se perde,
ou melhor,  em qual caminho
se perderá menos
é a maior das tarefas.

*
Então,
não acredito que há um tempo certo para cada coisa
nem que estamos adiantados ou atrasados diante delas
nunca cheguei cedo ou tarde demais, também nunca
pressenti a hora exata, mas dou às costas a ele
e ajo.


o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...