segunda-feira, 23 de março de 2009

Cicugota

Sonho
que entrarás por
aquela porta para me saquear
de mim mesmo.

Sonho
e já transpusestes a porta,
vestia qualquer coisa que lembrasse
um homem, ergueu-me, e que músculos...
um músculo faz falta, um músculo fálico
refletido possesso de gozo seminiferamente
sêmen a escorrer no canto da boca

a escorrer por entre as coxas até os joelhos
até os pés, como que se lavando por inteiro
de um rutilante prazer sintético;
como que se embebendo poro a poro
em cicuta-chilocaínica do velho xamã da tribo
vizinha.

Sonho
e sonhar já me basta.
Sonho
e sonhar já me encharca.
Sonho
e sonhar já é fugir.
Sonho
e sonhar já é gozar

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Porque me ler - Parte I


I



Porque me ler. Não, vou criar outro título, este não me tem inspirado a desenvolver idéias. Que tal, Por que as pessoas morrem de câncer? Não, piegas demais. Talvez intitule de “Poética”, contudo isso não é poema mesmo que beire a abstração. Na verdade é mais um “porquê de escrever”.

Como aquele meu personagem de cabeleira ruiva, ainda sem nome, que mesmo não compreendendo como as palavras se engendram num livro, vai à biblioteca pública de sua cidade, senta-se, folheia do clássico ao contemporâneo, no entanto são apenas possibilidades, pois que ele só entende quando se depara com a palavra respirar, então numa cadência quase inaudível infla seus pulmões ao limite e então exala aliviado sabendo que de tudo o que lera, algo lhe havia entranhado como fumaça de cigarro e daquele cheiro não esqueceria.

Esse ruivinho ainda carrega as dores do mundo. Um idiota. Quer porque quer saber o que é câncer. Pena que ele não me pode ler, senão lhe diria que é inútil conhecer, é como tentar saber o que é a fome quando se tem a disposição guloseimas na dispensa, ou então, passar um fato como verdadeiro ao próximo só porque leu em algum livro que o homem foi à lua; tornando a idéia um pouco mais acessível, a história do mundo ou do seu vizinho é indiferente, ela nunca existiu. Não nos interessa. O que nos interessa é unicamente o que nos faz ser como somos: é o subjetivo. Ou agora você vai insistir em me convencer que presencia velórios alheios?

Têm coisa melhor que se dar ao luxo vez ou outra? O ruivinho às vezes vai à feira e compra bandejinhas de figos e sente deliciosa cócegas na língua quando a aspereza do mesmo lhe toca. Então morde, mastiga e engole satisfeito, toma um bom chocolate quente e se deita para não pensar em nada, o que expressa uma enorme vontade de viver, de sair do mundo emprestado dos outros e de criar sua própria história.


Já sonhou em ser policial ou mesmo médico, pois assim estaria sendo o herói de alguém, mas já lhe disse: as pessoas que se salvem sozinhas, idiota! Come seu figo e faça o seu.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Os vaticínios da velha Bruxa



Subjeções

Parei abismado:
era a última vez que me veria com

18 anos.

Será que é agora que começo a desenhar no escuro?
ou, definitivamente esqueço toda essa metalinguagem
em têmpera e parto para o salto?

Que salto?

São numerosas as possibilidades de combinações,
de transistores, fios e cabos de fibra óptica...
Onde estava mesmo?
Será que falar de tecnologia é se tornar um pouco velho?

Sinto, e sentir é fato.
Fato é uma cela do envelhecimento
– é o vaticínio da bruxa.



Vaticinações.

1. Queimei-me as pontas dos dedos.
2. Há em mim um desejo libertador de me prender,
de me aceder como se faz a um cigarro
e de ser fumado pelo mais débil cafajeste.
3. Cigarros me excitam.
4. Incenso é fumaça.
5. A contraposição.
6. A dúvida.
7. A simplificação.
8. As inúmeras possibilidades de combinações.
9. Na numerologia, o mais extenso número se converge,
pela soma ou subtração, na primeira dezena.
0. O eterno retorno.

Subjeções

Carrego isto com minhas alegorias
de que nada dizem.
È um carnaval antecipado.
Abre-alas de um tema possivelmente já contado.

(oh, às vezes me detesto!)

Mas, quando parei de frente ao espelho
e me vendo pela última vez assim
reparando as feições,
as expressões de um rosto incompleto de barba nas maçãs do rosto;
do ralo azulado de bigode...
tive um choque, um vaticínio:

(oh, às vezes a bruxa em mim me detesta!)

o aqui-e-agora transfigurava-se no que já havia sido
e ao mesmo tempo preconizava um depois que agora já era imediato, pois
que o muito além não existe.

(oh, às vezes eu detesto a bruxa que está em mim!)

Desculpem-me os que prezam pela jovialidade mental
mas acredito na construção do tempo,
de como o tic antecede o tac
seguindo um ao outro numa sucessão perpétua,
e nisto avisto o compromisso de ter de me tornar velho,
um pouco encarquilhado para a direita
com a pele quebradiça e as bolsas dos olhos
caiadas e volumosas.

oh, às vezes a Bruxa me controla!

Vaticinações

Se me fosse pedido que me apresentasse,
trajaria meus trapos e subiria numa vassoura
para flutuar ao lado da sua janela lhe narrando
o meu conchavo com o Demônio;
do pacto firmado ainda jovem.

(oh, às vezes eu detesto ser a Bruxa dele!)

Às vezes eu detesto ter que ser sua médium,
de ter que lhe transcrever em versos...
Agora mesmo, em sua prepotência,
me sorri disfarçadamente, pois sentiu estar no ápice do poema
quando construiu imagens que tiquetaqueiam
sobre olhos volumosos enquanto sua pele quebradiça
lhe avisa que está ficando velho.
Não,
Eu é quem decido qual é o ápice do poema
e isto termina aqui:

se cerro as cortinas,
é porque não há mais nada a ser apresentado.


Epigrama nº4
Pós subjeções e vaticinações


Não recordo exatamente do meu passado,
ele é inexistente.
E tudo que sei é que nunca
fui senão isso que meu espelho mostra.
Tal qual um vilão
utilizando o tempo como maquiador que
põe finas camadas de mágoas homeopáticas
e ao se mirar, o seu reflexo é um estranho
e você nunca mais será o mesmo.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...