quinta-feira, 18 de julho de 2013

Uma forma para Otávio

VIII

Na realidade, tenho inveja do passado de Otávio, e do presente e do seu futuro. Ando tão insegura, que se pudesse lhe cortava o pênis, e costurava sua boca para não ouvir mais ele falar das coisas que não dizem respeito a mim. Sinto-me tão egoísta às vezes... mas sei que em algum lugar do mundo, como numa rede de coincidências, alguém remói a mesma mágoa sem dar à face a expressão da dor sentida. Se lhe perguntam, “o que houve?”, responde com um sorriso falsificado de quem por nada passa.

É que Otávio tem me feito sofrer, e muito. Se eu desfaleço, não me junta mais nos braços, não me sustenta em seus músculos, seu amor por mim tem se tornado cruel e feio, o seu olhar, impiedoso como o brilho esmeraldino da mosca que pousa para contaminar o mais belo doce confeitado. Desconfio que Otávio me traia.

 

Uma forma para Otávio

VII

Por onde trilharam os pés de Otávio, antes de me conhecer? As queloides em seus calcanhares feitas pelo sapato novo mal adaptado ao seu jeito de andar acompanham-no ainda. Tenho vontade de beijá-las e embebê-las com minha saliva matinal, esperando que sumam num gesto de comiseração. Tenho comigo que é injusto Otávio ter adquirido marcas tão pesadas. É como as linhas que surgem na palma da mão, interceptando a linha da vida, o monte de Vênus, destituindo de força a felicidade que lhe fora profetizado ainda no berço.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Uma forma para Otávio

Fico sensibilizada diante de Otávio, às vezes choro ou solto risos despropositais; parecem grunhidos de algum animal distante na floresta. Como uma gata manhosa, refestelo-me entre suas pernas; ele coloca a mão por debaixo da mesa, acaricia-me a cabeça enquanto continua lendo o jornal. Ele me observa. Depois, troca a água e põe mais ração. Fico saciada, mas perpetuo meu miado. Encho os ouvidos do Otávio com o meu intermitente miado para chamar sua atenção. Ele me cobra: o que foi minha gatinha? Novamente: eu já te dei comida e água! Então: “Suma daqui!”. Saio com meu rabinho entre as pernas. Deito em outro lugar.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...