terça-feira, 29 de julho de 2014

pós mamão papaia


entre céus e terras
o inferno é que nos infesta de paisagens
verdejantes e áridas

- O céu, simulacro inatingível,
também não nos toca.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Argumento

Era a terceira vez que me visitavam. Ele e o namorado abriram a porta empunhando garrafas de vinho. Oh, que surpresa! Dissimulado, abri um sorriso e tomei suas garrafas. Coloquei algum tipo de música; Frank Sinatra? I’ve got you under my skin. Um estampido de rolha. Servi-os. Riam de algo, e logo me introduziram num novo assunto dando início a noite. Por algumas horas ficamos discutindo sobre o longo dia que cada um teve; das pessoas idiotas com quem trocaram mensagens, papéis e deveres: jogo de afazeres e desfazeres. O melhor é que é final de semana e podemos nos embebedar e fugir dos sempre cinco dias que nos atormentam! Rimos do que fora dito, mas também exclamamos um Ahhh! de admiração, soou bonito o que ele tinha dito. Estávamos amortecidos pelo vinho, o corpo e o pensamento, bem acomodados. Por que melhor? E o outro repetiu, por que melhor? e o outro, por que melhor? até brindarmos novamente. Noite de brindes. Até que foram embora.

A campainha. Oh, que surpresa! Realmente surpreso com a visita deles no outro dia. Você combinou de bebermos hoje, lembra? Vagamente me lembrei de tê-los convidado. Continuamos a noite de ontem. Como não tínhamos mais assunto, retornamos ao assunto do bar, de como havíamos nos conhecido. Rimos do improvável da situação. Éramos agora, depois de cinco encontros, amigos. Ríamos nervosamente com um fundinho de ironia que nos punha a disfarçar: eu tomava mais um trago enquanto eles se beijavam. Geralmente não se beijavam muito, mas quando se beijavam, em mim subia um ciúme à face, sentia-me constrangido e desprotegido num sorriso frouxo como se fosse possível me rejubilar pelo o amor dos dois. O modo como ele o beijava me causava ciúmes; o modo como ele respondia ao beijo me causava ciúmes. Estava apaixonado. Depois de cinco encontros eu estava apaixonado, e a bem da verdade é que não sabia por qual deles ou se pelo casal. Até que foram novamente embora.

Era domingo. E no domingo eles tiravam o dia para curtirem a preguiça. Pelo menos era o que tinham me dito. Imaginava-os curtindo a preguiça; a preguiça em cada milímetro de pele colada; as pernas coladas, entrelaçadas e dormentes; o tesão apontando ora num, ora no outro, ora em ambos e quando ambos, faziam um sexo preguiçoso e gozavam preguiçosamente. A campainha. Oh, que surpresa! Atendi a porta apenas de cueca como de costume. Eu morava sozinho e isto nos permite pequenas liberdades. Não se incomode com a gente, você está na sua casa! disse um deles quando me viu constrangido. "Sim, eu sei que estou na minha casa e vocês deveriam estar na de vocês se amando tediosamente!" Percebido o descontrole me desculpei imediatamente. Desculpas pelo o quê exatamente? Perguntou o outro. Fui grosso com vocês! -Sim, você ainda não nos convidou para entrar! Com um gesto convidativo fiz parecer que eram bem vindos.

De fato eram bem vindos e eu deveria estar enlouquecendo ou pensando alto demais. Era o nosso sexto encontro, mas agora participávamos de uma intimidade fraterna, seja lá o que isso signifique; uma intimidade fraterna a qual me permitia andar de cuecas como se eu estivesse sozinho, mas que não me permitia manifestar a minha paixão; que me permitia abraçá-los, no entanto, a qualquer sinal de endurecimento, deveria me afastar. Por que a gente não fode com os amigos? Ainda mais quando não são tão amigos?

Veio o sétimo, o oitavo, o nono... uma classificação, uma corrida de cavalos, de fórmula 1, os nossos encontros, os nosso dias em que ao menor sinal de endurecimento me afastava; ao menor sinal de ciúmes dissimulava no rosto “está tudo bem!”; ao menor sinal de pensamentos que me envolvesse de quatro com algum deles ou com ambos, embotava-me castrado. 

Existiu o encontro. A campainha. Era pra lá do sei lá que número de encontro, mas sabido era que meses havia. O vinho habitual, o assunto de sempre, o beijo de ambos disfarçando a falta de assunto. Pus-me no meio, com a língua serpenteando por entre as suas bocas que ao perceberem a minha se afastaram e me olharam... Podia sentir a taquicardia nos meus lábios. "Meu Deus, o que eles estariam pensando?" Logo abriram um sorriso e quando percebemos estávamos nus na minha cama. Existiu o gozo. Existiram vários gozos até que preguiçosamente nos mantivemos inertes por algum tempo; o da esquerda abriu a boca, achamos que você não estava afim de nós? “Oh, que surpresa!” Não exclamei, mas o meu corpo sentiu a surpresa. Só estava com medo. Puseram-se a rir o casal irônico. 

Em seguida o da direita: é que geralmente fazemos isso: conhecemos alguém por “coincidência”, ficamos amigos, insistimos nessa amizade até que o outro nos deseje numa festinha juntos, aí o abandonamos. 

- E vocês me abandonarão?

- Claro que sim, somos um casal e nos amamos muito!

Até que foram novamente embora e não existiram mais encontros.

Álvares de Azevedo

Nunca eu.
Sempre o outro usurpado.

Sou advogado
Sou cozinheiro
Sou puto
E até me arrisco no padê

Sem nunca ter advogado, dado banquetes, lucrado com sexo
ou me escondido por trás
de dunas de sal.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Mamão papaia


I

Será de sagitário?
Meio homem ou meio cavalo
O que atrás de mim
Se percebe
E me põe arrítmico?
a pulsação e o pensamento incontidos,
as veias dilatadas
o estômago em pontadas...
e você nem imagina.

II

Claro,
Você só pode ser de sagitário.
Porque do contrário,
Como poderia meu corpo
Reconhecer amor em si?
Eu, que amo tão limitado,
Por ser condicionalmente limitado,
Como poderia?
A não ser que seja irrefutavelmente
Sagitariano,
signo de homem-cavalo
dialética infinda entre corpo e razão,
como poderia?

III

E você nem imagina
Das fantasias tecidas
Das elucubrações divagadas
Entre céus e terras
O inferno que nos testa
De paisagens verdejantes e áridas
O abundante e o outro também abundante
Porque é da tua pele e pelo
A que me refiro

Teu corpo
Onde não habita a escassez

IV

Fluido e enérgico
Leitoso ou lacrimoso
Verte de si
Tudo aquilo
Que me brota

V

Soubesse
Que estes versos em você são brotados
Insurgiria por entre suas cobertas
Revelando o seu signo.

VI

Não mentirias mais
Seu signo verossímil

VII

Nem imaginarias de outra forma
O signo que deposita sobre seu sexo
Ou entre as dobras das barras
Do seu calção mamão papaia
Que entrecorta suas pernas peludas
E seu all star botinha branco encardido

VIII

de que lhe interessa?
Porque a mim muito me interessa.
Interessa revelar-lhe o meu amor
Ainda que velado entre as suas dobras
De silêncio e distância mamão papaia

IX

Mas que diabos seria a cor mamão papaia?
Cor primária contrastante na sua pele
Ou cor de esmalte tendência comercial para o próximo semestre?

X

As minhas unhas pintadas de mamão papaia, a fruta.
A que repartida me lembra do inverso de uma buceta,
Negros pelos de margem e seu meio rosa avermelhado,
Mamão papaia,
Sua suculência entre os meus dedos.

XI

É desta cor que seu calção fala?
Da cor que se abre e recebe?

XII

Isso tudo me põe confundido,
Porque também suponho que esteja.
Centauros, mamão papaia e buceta
Põe qualquer um confundido.

XIII – epílogo

Mamão papaia,

é de corpo de homem que falo. Do seu corpo que é o meu desejo, mas desejo, por ser complexo demais, foge-me sempre a imagem; e por isso ainda mais é o seu nome e seu signo o meu desejo. Transformo tudo em prosa, pra ficar feito carne picadinha em cubos, tudo explicadinho, sabe? Para que, por uma vez por todas, saiba do meu amor por você... se falei em buceta e não cu de homem, perdoe-me, buscava uma imagem para a cor do seu calção mamão papaia e buceta foi o que mais se aproximou... sabe como é, dos cus que vi e lambi por ai, a maioria é arroxeado, como se se recuperassem de uma porrada...

Viu só as divagações tantas... mas maior é o seu silêncio, aposto!

Com amor, 

Mamoeiro.


o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...