sábado, 20 de julho de 2013

Uma forma para mim

II

Constato que sempre vi Otávio por fora, como a um objeto que se permite ser olhado e analisado em todas as suas especificidades; que se permite correrem-lhe os dedos por cada ranhura, despudorado de ser comprado por motivos errados. Muito mais fácil o modo que entendo Otávio, e também, o único jeito que aprendi a vê-lo: deslumbrada! Com os olhos sempre enuviados e comovidos diante dele, do seu escuríssimo pelo do peito sendo raspado em frente ao espelho, a torneira semiaberta levando pelo e espuma.  

Otávio nunca mudou sua forma para ser o que desejava, sempre foi homem em toda sua capacidade de amar, enquanto eu mutilei-me diversas vezes para ser compatível nos gestos e nos gostos, para ser refinada, para ser amável e acolhida.

Uma forma para mim

I

Uma forma para mim, antes ou depois do amor? Como me contar, me formatar, e ser diante dos outros um avatar sorridente, voando ora por territórios áridos, ora por paisagens verdejantes e transbordantes de vida? “Só falar por falar e ir dizendo por dizer”, é o que falaria minha mãe. “Não se preocupe, que a vida dá um jeito de te contar; de ir te tecendo e destecendo, de ir te contradizendo e te chamando de mentiroso na frente de todos!”. Verdade mãezinha, tão verdade que a forma que me conto, é a última forma, a forma efêmera em que Otávio me moldou.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Uma forma para Otávio

VIII

Na realidade, tenho inveja do passado de Otávio, e do presente e do seu futuro. Ando tão insegura, que se pudesse lhe cortava o pênis, e costurava sua boca para não ouvir mais ele falar das coisas que não dizem respeito a mim. Sinto-me tão egoísta às vezes... mas sei que em algum lugar do mundo, como numa rede de coincidências, alguém remói a mesma mágoa sem dar à face a expressão da dor sentida. Se lhe perguntam, “o que houve?”, responde com um sorriso falsificado de quem por nada passa.

É que Otávio tem me feito sofrer, e muito. Se eu desfaleço, não me junta mais nos braços, não me sustenta em seus músculos, seu amor por mim tem se tornado cruel e feio, o seu olhar, impiedoso como o brilho esmeraldino da mosca que pousa para contaminar o mais belo doce confeitado. Desconfio que Otávio me traia.

 

Uma forma para Otávio

VII

Por onde trilharam os pés de Otávio, antes de me conhecer? As queloides em seus calcanhares feitas pelo sapato novo mal adaptado ao seu jeito de andar acompanham-no ainda. Tenho vontade de beijá-las e embebê-las com minha saliva matinal, esperando que sumam num gesto de comiseração. Tenho comigo que é injusto Otávio ter adquirido marcas tão pesadas. É como as linhas que surgem na palma da mão, interceptando a linha da vida, o monte de Vênus, destituindo de força a felicidade que lhe fora profetizado ainda no berço.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Uma forma para Otávio

Fico sensibilizada diante de Otávio, às vezes choro ou solto risos despropositais; parecem grunhidos de algum animal distante na floresta. Como uma gata manhosa, refestelo-me entre suas pernas; ele coloca a mão por debaixo da mesa, acaricia-me a cabeça enquanto continua lendo o jornal. Ele me observa. Depois, troca a água e põe mais ração. Fico saciada, mas perpetuo meu miado. Encho os ouvidos do Otávio com o meu intermitente miado para chamar sua atenção. Ele me cobra: o que foi minha gatinha? Novamente: eu já te dei comida e água! Então: “Suma daqui!”. Saio com meu rabinho entre as pernas. Deito em outro lugar.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

(Medo que me ouça e tudo se transforme numa verborragia inútil.).

Boa parte disso deve-se a uma infecção bacteriana na garganta. “Placas enormes, deveria ver...” ou enfiar o dedo para sentir! “Parecem-se com o exército da paz, só que trabalhando para me derrubar...” filhas da puta!

Outra parte é o que ante o lábio cerrado me sabota.
Todo meu pensamento esbarra no teu nome,
que é a minha prece
na minha mente sibilada na devoção
que me compraz.

- A paixão é a que grita
O amor só precisa de silêncio.

Então, os estágios do beijo:

Volto ao
meu lábio cerrado ante o seu entreaberto
teu perscrutado olhar ante o meu buliçoso 
a tua aproximação decidida ante a minha espera lânguida

teu nome premente entre as minhas coxas
também é o meu castigo no teu protelar insistente
de só me dar amor em conta-gotas

grito:

- se não por amor, por piedade!
 

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...