terça-feira, 28 de setembro de 2010

Adélia Prado

Sensorial

Obturação, é da amarela que eu ponho.
Pimenta e cravo,
mastigo à boca nua e me regalo.
Amor, tem que falar meu bem,
me dar caixa de música de presente,
conhecer vários tons para uma palavra só.
Espírito, se for de Deus, eu adoro,
se for de homem, eu testo
com meus seis instrumentos.
Fico gostando ou perdôo.
Procuro sol, porque sou bicho de corpo.
Sombra terei depois, a mais fria.

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segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Sandra Heck

I

Noto
mas não anoto
por isso me esfolo
choro
Noto
mas não anoto

Anotaria
se quisesse terminar
fatos e atos
pra superar,
não quero findar
quero dúvidas pra continuar

Anotaria
se pudesse parar.

*Sandra Heck é uma poetisa da cidade de Blumenau - SC.
**Poema retirado do livro Blumenália Poética 2

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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Hilda Hilst - Do Desejo - Poema I


Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.


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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Vacalharia

Estamos todos em recesso? ou vazios de algo? Me exauriram as peles e foi tudo "vacalharia" grotesca. Vontade mesmo é o de ser regional, contar causos, mas ouvir mais.

Cumpadres discutiam a existência do Diabo e Atanázio com toda sua crença, disse que se Ele aparecesse se borrava nas calças ou caía duro no chão. Passados dias, na escuridão regional do Campo Belo, Atanázio já bem acomodado na sua casa foi surpreendido por batidas na porta:

- Quem é?
-Sou eu.
-Eu quem?
-Aquele, que você tem medo!

Por inocência ou gratidão ao que acreditava, pôs-se num desespero que nem a cruz poderia conter.

-Pois me apareceu o maldito e se apresentou como Aquele, que você tem medo, vestido de capa preta; saía até fogo da goela. Agora que eu acredito.
-Capaz, homem, é coisa da tua cabeça. (rindo)

Mal sabia ele que era "vacalharia" do seu cumpadre. Dias depois, Atanázio numa ânsia de proteger seus bens disse:

-Nas minhas latas de mel, ninguém toca, só quando a morte bater na minha porta.

O cumpadre, novamente para exemplar, vestiu-se de morte.

- Quem é?
-Sou aquele de que você tem medo?
(pausa - Atanázio enfraqueceu, mas pensou, a segunda vez é demais!).
-Mas seu nome?
-Eu sou a morte e vim buscar tuas latas de mel.

Aprendida a lição, hora de roubar o mel.

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A partir de amanhã, começarei a publicar literatura e arte de outros autores. Estou querendo pôr nisto o que os outros falam de mim, que é uma outra forma de falar de si sem que te conheçam de perto. Assim, esperem muitos textos de Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Hilda Hilst e outros, talvez desconhecidos.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sei quando parto, só não sei quando volto

Uma breve pausa entre um poema e outro e eu e todo o meu passado que não serve pra nada. Quando voltar, quero surpresa e ouvir que estou mudado.

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segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Aforismos

Por muitas vezes
abracei aquilo que desejei
que estivesse morto;
beijei suas faces com lábios
imersos em raiva;
- pura covardia -.
Acreditamos que devemos nos beatificar,
tirar as impurezas que nos acometem...
não seja tão estúpido,
o amor não pode ser comprometido pela compaixão.

sábado, 18 de setembro de 2010

Epigrama nº9

Venera a existência daquilo que te compromete
porque estamos nesse eterno dilema de amar o que nos mata.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

I returned again – Parte V


Por último, comprei um blusão roxo berinjela e um tênis de couro para ir contra o que eu havia estabelecido há dias atrás. Depois, como se nada tivesse acontecido, estava pondo a casa dentro do carro; em menos de cinco horas estava de volta.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Dos sentimentais desencontros



Pudera ter feito diferente:
armado arapucas, arrebentado fios,
assassinado coelhos
na frente da sua casa
ou ter repetido culpas pelos desencontros
óbvios depois do sexo?

- Não.



terça-feira, 7 de setembro de 2010

Poemas Curtos (Completo)




No ato de normalizar as coisas
perdi o senso de justiça.
Não que me fosse preciso
julgá-las impróprias,
mas sim, a falta de sentir na fala
a resoluta ardência de quem
diz que isto é Isto.

\
Vi deitar do céu, silenciosamente,
e logo se estender sobre o chão,
as nuvens que pairaram sobre o dia.

\
Intercalo i s t o de puro silêncio
enquanto for noite
e o indistinguível branco
perdurar em descanso
sobre a paisagem.
Eu, menino, pisei descalço o branco noturno...

\

Eu, menino, pisei descalço o branco noturno
e tolhido de dizer que sentia frio,
emudeci...

\
Desconsidero a vida naquilo que não grita,
porque cumula a morte sobre a língua
ou engole e lhe envolve
de maior silêncio.
Como uma porta que não range
é perdida de sentido,
a que range
é teoria cinéfila de horror.

\

Depois de tanto silêncio,
é natural que queira do estilhaço
o momento da quebra.

\

Sim,
a resposta será continua
e esgarçada até que se invalide
por decisão própria ou que por ventura
desabe o mundo.
Percorrendo-se o tempo,
o grito muda de tom, ora abafa, ora ufana,
mas o que lhe impinge
é a mesma dor de ontem.

\

Espere,
que meu coração é feito de matéria estranha:
nem ardido nem brando no sol da meia-noite;
aquele que se poria, não se pôs ainda:
sol antropofágico de Tarsila:
re-devoro-me
nos pequenos versos.

\

Falo isto como se ordenasse à alma
severa obediência a mim
e parece que da próxima vez que abrir a boca,
estarei no alto, nas asas de algum abutre
e como as nuvens, me deitarei em chamas
resoluto no meu direito de arder.


 

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Vá lá


Vá lá
que a vida é isso aí.
Num dia se leva paulada
noutro,
lava roupa, cozinha,
arruma a casa,
dá um beijo no marido;
e vem os filhos e estão com fome;
e vem o frio anunciando o inverno
as toucas, os cachecóis, os blusões de lã,
meias grossas, pantufas estranhas
são postos no sol para tirar aquele cheiro entranhado de naftalina;
levanta-se cedo, noutro um pouco mais tarde;
há geada sobre as plantas, algumas delas não resistiram.
Às vezes alguém que sofre não é por opção
nem por destino e nesse destino inclua-se genética e afins,
é por outra coisa que ninguém sabe,
é melancolia aguda
e para essas coisas
vá lá, que a vida é isso aí
e não há mistério nisso.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...