segunda-feira, 29 de junho de 2009

As Certezas II

Pior que a morte,
só a certeza da morte,
a certeza ainda em vida que
não tarda a morte a nos arrancar
este aglomero de pele.

A certeza do passado,
do tempo,
dos dentes de leite,
da menstruação,
da unha,
das pregas,
dos intestinos,
da próstata,
da mama,
da bexiga,
do câncer,
da tristeza,
dos arrependimentos,
dos tapas,
do aborto às idéias,
das dúvidas,
das interrogações,
da dor abrupta de barriga,
do desenlace das mãos para dar fim
à ciranda,
fim à cantiga
sem pedrinhas de brilhante,
sem príncipes
e com meu gato morto à paulada,
e com menos um dia para viver,
porque o relógio já faz prelúdio
à contrição.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

As Certezas - Parte I





Vou comer,
preciso de sal.
Já não suporto mais essas palavras
insossas sobre fundo pardo que é isto.
Isto, que é sujo, impróprio,
indecente; banco de praça de
madeira envernizada, - verniz tênue
como raio e partícula
nessa manhã de segunda.

Largar-me como saca de cimento
ou cal, cinqüenta quilos covardes
para com essas fibras incorpóreas,
delgadas como tripa abdominal,
como novelo que agulhas urdem em meus
órgãos, comprimindo-os:

tenho cólicas com isto.

Cólicas pontiagudas, amiúde estúpidas,
buliçosas; argamassa, rejunte de piso que
espera a prevista dilatação.
Êxtase de só se ser feliz com dor, de só se ser feliz
com faca ou espingarda que rompe
queimando va-ga-ro-sa-men-te,
tão lenta, pois bem sei que é assim
que se morre,

às gotas, aos pinguinhos.

Gotejo todos os dias.
Escôo por meu pênis e ânus;
consinto a partida de pedaços liquefeitos
ou duros como brita.

Morrer é gotejar,
esvair-se em puro descaso,
queimar-se com toco de cigarro,
e deixar que o tempo parta de nós,
que os segundos nos rezem contrições soturnas.

Vou urinar por aqui mesmo
deixar um pouco de mim nisto,
largar meu cheiro como cão demarcando território
escrevendo esta autobiografia fétida cor citrino,
porque fazendo isso, sinto-me menos anêmico,
menos desgastado, menos fadado ao esquecimento,
ao fracasso de nunca ter erigido prédios.

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...