domingo, 3 de maio de 2009

Porque me ler - Parte III

“A nudez é bela, deparar-se com ela é decompor-se. Para o homem não há nada mais inibitório do que ver um corpo exposto e entender que está longe de suas posses.”.

Não entendia por que, mas isso lhe viera à cabeça enquanto voltava para casa num ônibus superlotado com toda a sorte de gente que se podia imaginar. Olhava desconfiado tentando achar naquela situação algum ponto de apoio que lhe fizesse sentido. Analisava os rostos contraídos, a musculatura retesada daqueles que se apoiavam no puta-merda para não ceder aos abalos do veículo; via também o cobrador que repetidamente girava a catraca e contava o troco.

Poderia estar fazendo amizade com esse cobrador, no entanto a primeira aproximação é tão vexatória que preferia bolar diálogos imaginários para não parecer imbecil diante dessas situações que para ele eram as mais estranhas possíveis. Não tinha amigos justamente por isso, porque para se ter um amigo basta se dizer “você é meu amigo”, é como criar laços nunca existentes a primeiro momento, diria que é simplesmente aceitar o próximo como seu amigo antes mesmo deste trocar a primeira palavra cordial de quem lhe conhece hoje.

O cérebro tem dessas coisas, você exprime “eu te amo” e basicamente você passa a acreditar que ama, sendo assim, se houver sintonia entre ambas as partes um namoro pode se firmar em menos de uma semana, o noivado em um mês e o casamento em um ano, do contrário você simplesmente passará por uma desilusão amorosa, dessas que lhe fazem pensar repetidamente na imagem do vilão que não viu suas qualidades e acabou por lhe trair sem o mínimo de compaixão.

Retornava a idéia inicial, o trecho que lera e que persistia intacto. Tentava imaginar todos nus, indo e vindo com seus pênis e vulvas, todos ralhando uns aos outros como se isso fosse normal. Arriscava ir além, e ver seus testículos repousarem no assento. Talvez se estivesse com sua amante, com a promessa do sexo a nudez não seria tão atroz quanto instigava agora. No entanto estava ali, criou o palco onde todos se apresentavam nus e ele o vestido. Não se imaginava sem sua cabeleira ruiva e todos os acessórios que alicerçava um lar para si mesmo, onde poderia respirar sem alteração do fôlego.

Mais uma vez retornamos ao ponto chave: por que se permitia aceitar a nudez de sua amante e sua própria nudez com todos aqueles pentelhos desgrenhados sobre o púbis e negar a nudez dos outros só porque estes não lhe davam a segurança do sexo?

o oco cheio de vazio

é que não posso ser porque não me pertenço não sou de mim mesmo: nem o corpo ou a fala nem o membro, nem a língua   nem o próprio gozo apree...